segunda-feira, 18 de novembro de 2013

RATO SECO PASTEL PRENSADO

É recente. O fato aconteceu há poucos dias atrás. Estava passando por uma rua abandonada que também servia de moradia para mendigos, drogados e cachorros sem dono. As casas, poucas, muito simples, de madeira sem pintura, levantadas a grandes intervalos umas das outras. E muito lixo amontoado naquilo que era para ter o nome de calçada. Festa para os enxames de moscas, mosquitos e baratas. 

Olhando aquela paisagem decadente me distraio e quase piso em cima de um rato morto caído no meio dos vivos, que em bando, roliços de gordura, corriam por entre aqueles montes de sujeira. 

Pois tinha, esse rato que quase nele pisei, mais de um palmo de comprimento, coisa assim semelhante ao tamanho de um filhote de cachorro. 

Desviei do bicho esmagado, que estava ali, achatado no chão. Tinha as patas e o rabo estirados, bem abertos, feito um pequeno tapete estendido. As tripas e fezes enegrecidas, junto com o sangue coalhado, davam um aspecto asqueroso na pelagem marrom-escura da ratazana. Só a cabeça inteira, ilesa do ataque que resultou na sua morte. E as orelhas em pé, com a boca arreganhada mostrando os dentes no formato de agulhas afiadas; e os olhos pareciam que ainda enxergavam, saltados para fora da cabeça, como se olhassem, indefesos, para as moscas e formigas que nele se banqueteavam. 

Bem, daqui para a frente fica difícil eu prosseguir. Longe de mim ter a intenção de revirar o estômago de alguém; de querer provocar náusea e nojo em quem quer que seja. Registro o caso não para causar repulsa, mas tão somente, por ter sido o que vi, um ato desumano, cruel, indigno, inaceitável, uma agressão à dignidade humana. Aquilo não era outra coisa, senão a desumanização ali presente. 

Sei que com esta narrativa corro o risco do descrédito, já que o que segue beira a inverossimilhança, a estupidez, ao inacreditável. Daí que relutei em escrever este caso, por ele conter a matéria exata para ofender os mais sensíveis. No entanto, é minha obrigação registrá-lo, não para chocar, mas sim, movido por um sentimento de indignação, de protesto, de repúdio, de denúncia, até. Nesta história em particular, não posso inventar. Por tratar-se de um fato verídico, devo resistir à tentação e não utilizar as tintas coloridas da invencionice; a força da imaginação. 

Então, vi um homem subnutrido com jeito e cara de gente louca, pés descalços, longas barbas imundas e cabelos do mesmo feitio; vestido em andrajos, desmoralizado pelo álcool. Carregava no rosto, na boca e nos olhos saltados a mesma expressão do rato morto. Após, vi incrédulo, aquele homem dobrar os joelhos em pose de oração para apanhar o bicho pelo rabo. Nem se importou com a minha presença ali por perto. Com o rato pendurado numa das mãos saiu apressado em direção ao mato do terreno baldio ao lado. 

O que aconteceu a seguir eu não sei. Mas a julgar pela maneira que olhava faceiro para o rato seco, me deu a certeza que estava faminto. 

Está bem, confesso. Eu menti quando disse agora mesmo que não sabia o que depois havia acontecido. Foi uma negação inconsciente, uma resistência em precisar esquecer a cena que presenciei. Um ato falho criado pela minha mente, vindo de uma vontade oculta em querer pensar que aquilo jamais aconteceu. 

Em seguida, assim bem nítido, diante dos meus olhos, por entre as macegas e arbustos enxerguei o homem com as duas mãos na boca, fazendo força com os braços, pressionando-os tal uma fera, para estraçalhar aquela coisa com os dentes. 

Naquele momento senti um suor frio descendo testa abaixo, ao mesmo tempo que um caroço pegajoso me enchia a garganta, e com o corpo esvaziado da alma que eu tinha, perdi a fé em todas as divindades. E sem esperança também na humanidade saí ligeiro, com as pernas cambaleando, para bem longe, sem rumo; em direção, não pensei, mas acho que em direção ao inferno; que na verdade, era dele que eu fugia. 

O homem comeu o rato!

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