sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O JOGO DE CANASTRA

Nas noites de sexta e sábado, a Nanci e o Cléber, a Mirtes e o Pascoal se encontravam para jogar canastra. Um fim de semana no apartamento de um casal, o próximo, na casa do outro. Bebidas fortes e comidinhas, cerveja, aperitivos coloridos e salgadinhos, azeitonas sem caroço e martini com cereja espetada no palito; mesa com pano verde e baralho novo, apostas em dinheiro para dar graça ao jogo, falatório da vida alheia, fofoca sobre as últimas separações e velhas anedotas para descontrair. 

A mesa retangular na sala servia de palco para os encontros semanais. Os olhares de cumplicidade das duplas de marido e mulher, mais os sinais combinados de véspera, se manisfestavam discretamente, pedindo as cartas que precisavam. Era uma roubalheira deslavada. Mas assim matavam o tempo. Desmanchavam um pouco aquela rotina infame que se apossa desses casamentos antigos, que se afundam em crise precipício abaixo, agonizantes rumo à inevitável decadência. Flores murchas, não mais regadas pelo orvalho refrescante da novidade e da surpresa; que desanimados, sem reação, sem resistência, vão se enfraquecendo descontentes, dia-a-dia, por cima dos braços da indiferença, do desamor e da traição conjugal. Porque pensam que a felicidade, que o tão sonhado jardim está sempre no terreno alheio. Imaginam, que tolice, que é lá que encontrarão os seus tão almejados pedaços de paraíso. 

E o que acontecia sobre a mesa, os dois casais observavam atentos. No entanto, o que se passava por baixo do tampo revestido com a toalha verde, estampada em toda a sua extensão com os quatro naipes do baralho, era pura sacanagem. Invasão de território. O micróbio do proibido invadia solto, livre e despudorado, as intenções pecaminosas dos parceiros. 

O dedão do pé do Cléber roçava, deslizando dos joelhos até as virilhas da Mirtes, que sorria encantada, disfarçando que havia fechado uma trinca. O pé inteiro do Pascoal desfilava faceiro entre as coxas da Nanci, que sorria maravilhada, disfarçando que havia fechado uma sequência. Noite adentro aqueles pés adúlteros dançavam sob a mesa, cutucando, acariciando, desbravando, testando, conquistando pouco a pouco, pedacinho por pedacinho, tão desejada e perigosa propriedade. 

Certa noite, o Pascoal já meio bêbado errou as pernas da Nanci e acertou o joelho do Cléber, e alisou bem carinhoso. O Cléber gritou: “ - o que é isso meu amigo?” Mais adiante foi a vez do Cléber enfiar o dedão no meio das canelas do Pascoal, que deu um pulo da cadeira, e reclamou do engano: “ - que se passa, meu camarada?” E o jogo não parava. Dê-lhe canastra real. Dê-lhe canastra suja. Ganha uma dupla, logo a outra também. 

Já madrugada, os quatro jogadores já possuídos pelo efeito do álcool, quando os pés do Cléber e do Pascoal se encontraram no cruzamento por baixo da mesa. Colocaram as cartas sobre a mesa, se olharam firmes um nos olhos do outro e o Pascoal tomou a iniciativa: “ - vamos parar com esta enganação. Faz tempo, meses até, que eu acaricio as coxas da Nanci, por baixo da mesa, e você faz o mesmo nas pernas da Mirtes. Vamos acabar logo com essa encenação. A casa tem dois quartos; vamos decidir no par ou ímpar em qual deles fica cada dupla e realizar logo esta troca que tanto queremos.” As duas mulheres se olharam e sorridentes disseram que sim. 

Na próxima noite de sábado para domingo, já mais domingo do que sábado, estavam os quatro lutando com coringas, trincas e sequências, completamente sem roupa, nus, um na frente do outro, quando a Mirtes, a mais solta da turma, falou: “ - todo cuidado é pouco. O jogo que corre por baixo das mesas pode ser mais interessante do que um inocente carteado. Para os casais que estão com o casamento em crise, então, canastra é um perigo. Ou uma solução.” 

Agora, há mais de três anos que continuam se encontrando, todos os finais de semana. 

E a canastra? Ora, o jogo de canastra é só um pretexto. Mais importante que lidarem com sequência e trincas, para eles o bom mesmo é aquela gostosa troca de par.

Nenhum comentário:

Postar um comentário