segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A CIGANA MENTIROSA

Andava numa secura de dar dó. O coração parecia um deserto sem fim. Nada de chegar um amor para me fazer sorrir. Com as mulheres, andava tudo dando errado. Que fase aquela! 

Decerto por me ver carente, uma cigana com jeito de sabichona me atacou na rua, me cobrou bem caro, leu a minha mão e me encheu de esperanças: “que no outro dia, entre o nascer do sol até a noite trocar de data, eu conheceria um novo amor. Uma moça linda se apaixonaria por mim; tipo amor a primeira vista.” 

Amanheceu o dia, tomei banho, fiz a barba no capricho, coloquei a melhor roupa, tirei um par de sapatos da caixa, botei um perfume bom, ajeitei um sorriso na cara, esperei a hora certa e fui para a rua, esperar e procurar o tal do prometido novo amor. 

Olhava as moças bonitas; quanta indiferença. Elas passavam reto por mim. Era como se eu não existisse. As de meia idade estavam já desiludidas, não queriam mais problemas. E as velhas, bem, estas, para o amor carnal há muito estavam aposentadas. 

Mas não desisti. No horário do almoço procurei um restaurante movimentado, próximo a um centro financeiro, onde as executivas de bancos, multinacionais e grandes empresas costumam almoçar. Quanta mulher bonita! Bem vestidas, elegantes. Parecia que estavam prontas para uma festa. Decepção total. Nenhuma me notou. 

Como sou persistente, insisti, afinal tinha ainda a tarde toda e um pedaço da noite pela frente. Fui até um grande shopping, pois é lá que elas sempre estão. Andei atento pelos corredores, desci e subi infinitas escadas rolantes, tomei 18 cafezinhos, almocei outra vez, fui na fila dos cinemas, cansei de olhar vitrines e ninguém, nenhuma daquelas lindas mulheres se deu conta que eu existia. Cheguei a pensar que eu estava transparente. Que havia me transformado, numa espécie de fantasma. 

Já final de tarde, exausto de tanto andar tentando encontrar a minha amada, aquela que a cigana me prometera para aquele dia, fui até o banheiro me olhar no espelho. Me achei bem, e pensei que era uma injustiça aquilo que estava acontecendo comigo. Mas era preciso continuar insistindo. 

Saí do shopping e depois fui ao teatro. Outro lugar frequentado por mulheres interessantes. Me exibi, desfilei, fiz poses de galã, sorri bem simpático para todos mundo, puxei conversa; tudo em vão. Ali não se encontrava o meu amor. 

Terminou a peça teatral, as dez e pouco da noite. Então, fui para um boteco encher a cara, desiludido com o empenho que tive, com o sacrifício e o cansaço que arrumei; tudo inútil, sem conseguir o amor prometido. 

Bebi todas, todo metido a bonito naquela espelunca desgraçada. Quase meia-noite; hora de fechar, anunciou o bodegueiro. 

Paguei a conta, olhei para o relógio que marcava, que ainda faltavam cinco minutos para a profecia se concretizar. Como não sou de desistir fácil, fiquei ali até o último instante. Morro, mas morro em pé, lutando, nem que seja com um toco de espada na mão! 

Foi quando assim do nada, quase uma geração espontânea, apareceu bêbado na minha frente um travesti enorme. Parecia um operário da construção civil vestido de mulher. Me olhou nos olhos, sorriu feliz, me chamou de lindo e disse que queria casar comigo. Disse com uma voz melosa, que afinal encontrara o amor da sua vida. Abriu os braços para um abraço e ajeitou a boca para um beijo. Cruzes! Levantei e fui correndo para casa, sem o travecão, é claro. 

Safada! Ainda vou encontrar e matar aquela cigana mentirosa. No mínimo, pegar o meu dinheiro de volta. 

Quando a fase está ruim, meu velho, não existe santo que ajude. Muito menos promessa de cigana.

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