sábado, 30 de novembro de 2013

A PERUCA

Patrícia, moça tímida, universitária, filha de uma conhecida família do interior que por não gostar dos seus cabelos, do seu rosto, nem do seu corpo, nem da sua alma, nem das suas mãos, comprou uma peruca feita de cabelos humanos, de um loiro legítimo, bem tratado. Pensou que esse adereço lhe daria aquele encanto, uma simpatia que naturalmente não possuía. 

Acordava cedo, tomava um banho, passava um gel pra baixar os cabelos enfiava a peruca loira. Pronto. Se achava outra mulher, com a longa e brilhosa cabeleira postiça. E colocava a cada dia no braço direito um dos relógios falsos, baratinhos, coloridos, combinado sempre com a cor das sandálias de borracha, também de pouco preço. Colecionar reloginhos era uma das manias que tinha. 

Uma semana após inaugurar a peruca começou a sentir uma espécie de náusea, um mal-estar seguido de uns pensamentos estranhos que traziam uma vontade compulsiva de transgressão. Uma força negativa tomava conta da sua alma, contaminada com ímpetos severos de ferir e até matar alguém. 

Entretanto, bastava chegar em casa, retirar a peruca para voltar a ser aquela pessoa de sempre: tímida, solitária, carente, colecionadora de manias. Depois do banho ligava para o Ronaldo Tavares, motorista de táxi, trinta e cinco anos mais velho que ela e dizia que o amava e que estava com saudades e que estava precisando do seu apoio emocional e ficava horas no telefone desabafando as suas instabilidades. 

Certa noite de céu sem lua, quando vai abrir a porta do prédio, por coincidência, o Ronaldo vem chagando para visitá-la. Elogia o seu novo visual, mas nota uma expressão diferente no rosto, no olhar, nas mãos da Patrícia. 

Sobem pelo elevador em silêncio até o décimo quinto andar. Que estranha está a Patrícia, hoje. Pensou o Ronaldo, sem ter coragem de romper aquela quietude. 

Senta no sofá, de novo elogia a Patrícia e não recebe resposta. Se distrai olhando uma caixa de sapatos cheia de relógios de plástico que estava sobre a mesinha de centro. 

A televisão e o aparelho de som estavam desligados, diferente das outras vezes, quando ela os mantinha em alto volume. Que coisa! Pensou o Ronaldo. 

Sem falar nada, a Patrícia vai até o quarto, abre a porta do ropeiro, retira lá do fundo, debaixo de uma acolchoado, uma adaga, herança do seu bisavô, das velhas revoluções, e vem macia, em silêncio, sem ruido, pelas costas do coitado do homem. 

Sente um forte arrepio que torna áspera toda a sua pele, e com a mão esquerda faz um gesto que pretende retirar a peruca. A mão para no meio do caminho. Uma força poderosa e incontrolável se apodera da outra mão. 

Ela dá três passos adiante em direção ao sofá, para e levanta a espada o máximo que pode, perpendicular ao seu corpo. Segura firme o cabo com a mão direita e a lâmina com a outra. Está possuída por gigantesca determinação maligna; precisa matar. 

Nesse exato momento, Ronaldo vira a cabeça para trás, e vê, estupefato, quando toda a lâmina afiada do ferro branco se enterra até o cabo, no peito da Patrícia. 

Quando levantou-se pra telefonar, com a moça agonizando, já com a metade daquele espírito no outro mundo, o Ronaldo sem entender o que havia acontecido, viu as mechas dos cabelos loiros da peruca se erguerem do tapete, vibrando, parecendo labaredas de fogo que dançavam dando risadas, fazendo uma festiva algazarra como se estivessem comemorando uma grande vitória. 

Lá fora, chovia forte na noite escura e todos os reloginhos de plástico pararam marcando o mesmo horário.

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