sábado, 29 de março de 2014

SALIVA QUENTE

Este caso aconteceu numa fazenda lá no interior profundo do município de Margarida do Sul, na época que as mulheres não sabiam o que era orgasmo. Elas que se ocupavam apenas nas lidas da casa, dos filhos, dos maridos, do pátio, das costuras e dos bordados, da horta, das panelas, de vassouras e antigas renúncias. Para si quase nada restava. Elas que nunca sentiram na boca o gosto de um beijo molhado; seus lábios que viviam secos de amor; suas línguas que jamais se encontraram com outra; seus corpos que desconheciam um abraço carinhoso; seus ouvidos que não ouviam palavras doces de afeto. E não faz tanto tempo assim. Ainda ontem aquelas mulheres se anulavam submissas. Só emprestavam suas vidas para os outros usufruírem. Carregavam elas, todas as cruzes do mundo, e sexo servia apenas para reprodução. Prazer, era um bicho do outro mundo.

E se por descuido, uma daquelas esposas antigas deixasse escapar um gemido de satisfação durante o ato sexual, recebia como prêmio uma forte reprimenda do marido: que isso era coisa de mulher da vida. Que uma mãe de família que se desse ao respeito não podia sentir esses contentamentos mundanos. E se repetissem a exteriorização de estarem gostando da conjunção carnal, não raro, eram abandonadas, expulsas do matrimônio. Aqueles homens, de mulheres nada entendiam. Aquelas mulheres, pobres pássaros sem asas. Tempos difíceis, aqueles, lá em Margarida do Sul.

Ai de uma delas que se encostasse sedenta por amor no corpo do marido. Ai de uma delas que demonstrasse uma ponta de carência sexual. Ai de uma delas que implorasse para ele fazer com mais força e que não terminasse tão logo assim que começasse. Ai de uma delas que pedisse que ele lhe satisfizesse. Seria taxada de depravada e conheceria o desprezo social por ser uma mulher separada, largada pelo marido. Se por acaso uma delas sentisse suas entranhas ferver de excitação, teria que engolir sufocada aquela gloriosa e proibida manifestação que lhe vinha. Eram muito tristes as mulheres de Margarida da Sul.

Pois aconteceu da Quitéria ter cansado de fingir desinteresse quando se deitava com o Raimundo. Também já não mais se contentava em ter que se desapertar sozinha. Aquela energia de mulher fogosa precisava ser extravasada, do contrário enlouqueceria. Foi atrás de uma solução para acalmar sua natureza.

Tinha um rapazinho de todo bem formado, o Adalberto, que trabalhava na fazenda. Pegava firme na lida de campo. Bom laçador, campeiro e ginete nas horas vagas, e interessado por mulher.

Certo início de tarde, a Quitéria incendiada por tantos desejos guardados, deixando de lado a compostura, o recato e as aparências, deu um jeito de atrair o rapaz para perto de si. Dentro da cozinha esfregou a boca no rosto do Adalberto, lambeu o seu pescoço suado. Abraçou, agarrando-o pelos ombros e atirou seus lábios com violência sobre os dele. Baixou a mão direita e apertou as partes já em prontidão de macho, de um homem moço ainda não inaugurado nesses entreveros sexuais. Era tudo o que a Quitéria precisava. Repentinamente ela deu um salto, quase um pulo e tremeu com a coisa que sentiu. Como estavam sós em casa, foram para o quarto destinado aos hóspedes.

Ali ela gemeu, arranhou as costas e beijou desesperada, além da boca, todo o corpo do Adalberto, e gritou, e gemia e gritava e pedia mais e mais. Por fim, teve o seu primeiro orgasmo declarado, que terminou com um berro longo e profundo, que alertou quem andava ou descansava nas cercanias. Maldito grito de tanta fome acumulada.

Veio apressado o Floriano, capataz antigo e de confiança. O patrão, o Raimundo, estava na cidade acertando negócio de gado. Bateu na porta do quarto e a Quitéria baixou a saia assustada, e mandou com um gesto que o peão arrumasse as calças no lugar. Então, já em pé, fez cena de nervosa, expressão de assustada, e tal uma atriz incorporou ares de vítima. Abriu uma folha da porta, e num tiro de raciocínio, falou alto, esbaforida para o capataz: “ – fui desonrada. Entra e mata este tarado que me atacou furioso enquanto eu sesteava!”

O Floriano passou a mão no 38 e disparou cinco vezes na cabeça do Valdemar. Mais tarde, o defunto foi atirado numa cova rasa, aberta às pressas no lado de lá do campo, depois da cerca, no costado da estrada. Lugar de todos e ao mesmo tempo de ninguém.

O Raimundo retornou logo após o acontecido. O sangue do morto ainda escorria sobre o assoalho, o rosto da mulher ainda estava quente e corado. O patrão agradeceu o capataz pela atitude tomada e falou orgulhoso na frente da Quitéria: “ – família se faz é com mulher honesta, seu Floriano! O resto é tudo conversa fiada! Agora, enterrem o corpo deste desgraçado e voltem para o que estavam fazendo! “ – ordenou. Só a Quitéria não pode.

A seguir ela parou diante do quadro com sua fotografia de casamento. Colocou a mão em forma de concha entre as pernas por baixo da saia. Apertou forte como se estivesse se esmagando e sentiu seu sexo ainda molhado, que vivo continuava latejante. Cuspiu uma saliva quente que escorreu pelo vidro da moldura.

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