segunda-feira, 3 de março de 2014

O RIVAL

Gente criada feito bicho na beira do mato, com a pele encardida, tisnada de um pó fino antigo que não saía. João Zebu tirava sustento queimando lenha para fazer carvão que vinham da cidade comprar. No mais iam levando aquela miséria, se segurando com carne de caça e peixes tirados do rio ali ao lado. O João, conhecido por Zebu, João Zebu, porque tinha uma corcova, um enorme caroço roxo e peludo, um tumor, ou fosse lá o que fosse aquilo, grudado em cima da nuca.

Da mulher velha moída no serviço bruto, o João Zebu nem olhava. Tocar muito menos. Tirando o trabalho, era como se ela não existisse. Gostava mesmo era da filha, a Moa, que para feia não servia. Recém com 17 anos, que desde os 10 se deitava com o pai. Decerto não podia ter filho, porque filho também nasce deste tipo de relação, quando não vem aleijado ou fraco das ideias.

Esta não lidava no forno de carvão. Que a preferida havia que ficar em casa apenas cozinhando para quem trabalhava. Até pintava as unhas com um esmalte barato, e nos lábios uma pinturinha vermelha como se fosse pitanga madura, e uma alfazema no pescoço, só para agradar o pai. E quando se atirava para bandas da vila para renovar o estoque de cachaça, o João Zebu não esquecia de trazer um presentinho para a Moa; às vezes um vestidinho, que devia ficar bonita a guria, e uns tabletes de mariola e uns caramelos coloridos, que também, a boca de uma mulher, além de pintada, precisava ter o gosto doce de fruta madura.

Nas noitinhas o velho fazia um sinal, descia para o rio e esperava a Moa que logo aparecia de cabelos penteados, numa roupinha de chita. Nas carnes da filha o João Zebu se amortecia. Terminado o encontro ela voltava sozinha para dormir. Ele ficava até mais tarde, alegando pescaria.

Um dia, só os dois, numa clareira do mato, o Zebuzinho, irmão mais velho da Moa, que lidava forte na carvoaria, disse sério para a guria: “ – se tu te deita com o nosso pai, vai ter que te deitar comigo também!”

Acostumada a não questionar, a aceitar passiva o que viesse pela frente, boca que nunca aprendeu a dizer não, topou, e ali mesmo se entregou para o irmão. E gostou, e gemeu pela primeira vez na vida. Até beijou na boca do Zebuzinho.

Depois já não era mais a mesma com o pai, que desconfiou, e seguiu matreiro os passos da Moa e do Zebuzinho, que assim por nada se ausentava do eito. Notava que a filha repunava os encontros, virava a cara para o lado, fazia expressão de nojo e não mais abria direito as pernas. Sentiu cheiro de traição no ar, o João Zebu.

Certa tarde o velho saiu sorrateiro atrás do rapaz, perseguindo à distância os seus passos pelo mato. No remanso de uma prainha de areia grossa, com a água batendo suave nas pedrinhas coloridas, com as borboletas enfeitando o ar e os passarinhos cantando em volta, assistiu a cena que suspeitava: o Zebuzinho por cima da Moa nua.

Puxou do trabuco, se aproximou macio como um caçador cercando a presa. Disparou certeiro na cabeça do rival. O tiro mortal, na saída estraçalhou o queixo do Zebuzinho. Mandou a Moa sair debaixo e se lavar no rio, e se recolher de castigo no rancho, que mais tarde se acertaria com ela.

Bufando tal uma fera, colocou a arma na cintura, olhou uma cascavel que se arrastava e disse para si mesmo: “ – em mulher minha homem nenhum bota a mão. Nem filho meu!”

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