sábado, 15 de março de 2014

O ENCONTRO

A Leonor traz manchas roxas, que desde menina ela mesma produziu no seu corpo. Escondia da família, os vestígios nos braços e coxas, dos beliscões e fundas mordidas que em si própria desferia.

Depois, quase moça, mutilava-se com mais requinte. Usava pontas de tesoura, agulhas, alfinetes e alicates de unha para perfurar suas carnes. Convivia com cicatrizes ocultas, antigas e recentes, secas ou sangrentas, encobertas sob blusas de mangas longas e calças compridas. Forte do verão, lá estava a Leonor vestida com roupas inadequadas para a estação.

Mais tarde descobriu que só teria prazer, se as relações sexuais fossem acompanhadas de rituais que lhe causassem sofrimento físico. Obrigava seus parceiros a lhe aplicarem fortes tapas no rosto; que fosse estrangulada até o último limite suportável; que derramassem cera de vela quente sobre sua pele; que queimassem com pontas de cigarro os bicos dos seus mamilos e lhe aplicassem surras com relhos específicos para este fim, que ela portava consigo, junto com outros equipamentos propícios ao flagelo que precisava submeter-se.

As palavras fortes ou doces, os toques carinhosos, as preliminares convencionais, e a própria conjunção carnal; esses procedimentos não interessavam. O que contava era a obrigação de ter que tornar-se vítima de humilhação e padecimentos corporais. Em casa era capaz de acender a chama do fogão e deixar a palma da mão exposta ao fogo até o máximo que pudesse resistir.

E era bonita a Leonor. Mulher de pele macia, cheirosa por onde se passasse o nariz. Atraia com facilidade o macharedo, que deles queria apenas uma sessão daquela forma estranha de satisfação. Após, dispensava o parceiro para nunca mais querer vê-lo por perto. Enjoava do escolhido, do qual só exigia tornar-se escrava pelo tempo do encontro.

Dessa forma, já com trinta anos continuava solteirona, nada de relacionamentos fixos. Também, não existia homem que suportasse por longo tempo aquela tara, ou fosse lá o que fosse aquilo.

Trabalhava a Leonor, como vendedora de cosméticos, perfumes, roupas íntimas, acessórios eróticos, pomadas e comprimidos milagrosos – utensílios sensuais –, como apregoava, nos escritórios e empresas comercias. Artigos oferecidos para homens somente, tudo feito dentro do maior sigilo e discrição.

Certa tarde, final de expediente, estava demonstrando seus produtos para o prefeito da cidade, em seu gabinete. Só os dois na sala. De repente ouvem estalos que se transformaram em faíscas. Explode uma lâmpada, e cai por acidente, uma placa de gesso do forro do teto sobre a cabeça da Leonor.

Bateu de quina, cortou e sangrou um sangue que fez fio grosso na testa que desceu rosto abaixo. O impacto derrubou-a da cadeira sobre o carpete. O prefeito foi até ela e se ajoelhou diante da mulher estirada no chão. A Leonor retorceu as pernas e comprimiu uma coxa na outra, balançou os pés, espichou o pescoço, apertou um seio com a mão esquerda e com a direita esfregou o seu sexo que latejava. Respirou fundo e gemeu um gemido gostoso de se ouvir, lambeu a boca e mordeu os lábios e a língua com fúria e desejo. E gritou a plenos pulmões palavras obscenas, aquelas que algumas mulheres, nesses momentos, não conseguem evitar. Depois se acalmou, fechou os olhos, relaxou o corpo, estendeu os braços junto ao chão e desenhou no rosto um sorriso de satisfação, de pura realização.

Extasiado, o prefeito perguntou: “ – estás bem?”

“ – Só com dor é que bom!” Respondeu.

Ele encostou o rosto no dela, levantou um pouco o queixo e lambeu todo o sangue que escorria. Bebeu o líquido com emoção radiosa nos olhos. Se ajeitou em pose de macho sobre a fêmea e disse feliz, com a boca lambuzada no seu ouvido: “ – pensei que não existisse neste mundo, a mulher que eu tanto precisava!”

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