sábado, 15 de março de 2014

O POBRE POETA RICO

Já conhecia de ouvir falar no pobre poeta rico, Walter C.. Fiquei sabendo que ele queria me conhecer pessoalmente. Uma amiga tanto dele quanto minha tratou do encontro. Início de uma noite quente de verão estávamos no nosso bar de sempre quando ele chegou. 

Pedimos uísque e cerveja. Olhei aquele homem de aspecto comum, estatura mediana e muito magro. Loiro, cabelos despenteados, aparentando trinta e cinco anos. Rosto redondo, entristecido, pálido, com olheiras profundas de uma antiga e sofrida melancolia. E vi nele um guri mimado, um cachorrinho de madame com gestos educados e modos quase efeminados. De família abastada fora criado numa redoma de vidro, como se fosse uma criatura prestes a se desmanchar. Se formara em letras e se tornara poeta, por onde lhe escapava, não suas inquietações, ideais e fantasmas, mas apenas os aspectos de uma vida falsa, grosseiramente idealizada. Todos os seus poemas até então, eram vagos, artificiais, vazios de conteúdo humano. Fazia versos para pessoas que ainda não existiam. 

Pensei: “ - tenho que fazer este sujeito beber uísque, do contrário ele não vai falar.” No terceiro copo o Walter disse: “ - tudo que escrevo vem da teoria. Não tenho coragem de me abrir e falar das carências da minha alma. Não vivi uma só palavra do que já escrevi!” 

“ - Que pena! Ainda dá tempo!” Respondi. 

“ - Você, ao contrário, se mostra de peito aberto, cheio de experiências, de onde saem as histórias que escreves. Parece que viveste tudo aquilo! Grande parte dos teus contos são tão reais, que não podem ser apenas produto da imaginação!” Disse o Walter C. com uma certa admiração. 

“ - Invento muito também. Sou um grande mentiroso!” Falei. 

“ - Mas tem vida vivida nos teus textos!” 

“ - Claro!” Mandei de volta. 

“ - Queria tanto viver. Preciso participar da vida!” Falou o Walter com um jeito tão carente, frágil, com uma vozinha fina, chorosa, que deu pena de ouvir, já no quarto ou quinto uísque. 

Assim andou a conversa, quando perguntei o que ele gostaria de fazer naquela noite. O Walter C., poeta, nos disse que gostaria de ir num cabaré. Que apesar da idade, confessou envergonhado, baixando a cabeça, que ainda permanecia virgem. 

Pensei onde levar o rapaz. Ali perto havia uma casa com fama de regular para baixo, uma vez que as mulheres que lá trabalhavam já estavam um pouco desgastadas. 

Passei os olhos pelo salão entre aquelas putas em declínio, com bocas pintadas de um vermelho escandaloso, com as coxas de fora; que disfarçavam os defeitos com umas meias arrastão. Até que avistei uma com aparência acima da média, que ainda não havia se estragado por inteiro. Passaria por interessante se estivesse num lugar, desde que não fosse aquele. 

Fui até onde ela estava. Expliquei a situação e pedi que fosse o suficiente séria, já que o meu amigo, além de virgem era uma pessoa muito sensível. Ela disse que sim com a cabeça. Fiz as apresentações. 

Subiram para o quarto. Eu e a minha amiga ficamos bebendo cerveja, porque o uísque era terrivelmente falsificado. As mulheres do cabaré olhavam com inveja a minha acompanhante: moça bonita, delicada e culta, com dignidade no porte e no olhar. 

Mais tarde, aquela que estava com o Walter, desceu avisando, que o poeta mandou dizer que pousaria com ela. E que bebêssemos o quanto precisássemos e que poderíamos ir embora sem ele e que agradecia por tudo e que nossa despesa correria por sua conta. 

Penso que fiz bem em levar o Walter para aquela espelunca melhorada. O fato é que ele tirou a mulher daquela vida. Vive com ela há três anos, e quem olha, jura estar diante do casal mais feliz do mundo. Ela é sua guia nos segredos desta existência. 

Minha amiga sempre diz não entender como funciona esta vida. “ - Nem eu”, lhe respondo. Só sei que é imprevisível. Um mistério. Por vezes, é a vida, tão grotesca, tão selvagem, tão bruta, tão impossível, que dá até uma vergonha de viver. Outras vezes, a vida é tão doce, tão meiga, tão leve, tão suave, tão amável com seus filhos, que dá vontade de nunca morrer. 

E o poeta Walter C. agora só faz versos de amor. Devo dizer que se não são ótimos no geral, para péssimos é que não servem. Razoáveis é o que são, a maioria. Mas aqueles poemas seus que falam do imponderável desta vida, daqueles que dizem que existem tesouros enterrados no lixo, ah, esses são imperdíveis. 



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