sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

ANGELITA

Não sei porque inventei de dizer o teu nome. Há duas semanas falei num sobressalto quando acordei, como se saísse de dentro de um sonho: “ – Angelita!” Depois, em todas as horas dos dias seguintes você não saiu do meu pensamento. O teu nome me ocupou por inteiro, tomou conta da minha alma, ficou dono do meu coração. Chegou maior e mais forte que daquela outra vez. E você que me amava tanto; que dizia que eu era a outra parte tua; isso há quase dez anos atrás.

E assim andei como um louco, nas ruas, nos bares, com quem me faz companhia, a pronunciar o teu nome, a revisitar o passado, a te olhar de frente, linda deusa minha. E me vi tão amoroso contigo, tão apaixonado, tão a teu favor, acariciando teus cabelos loiros, beijando os teus lábios rosados, apalpando os teus contornos perfeitos, que cheguei a pensar: “ – senhor! Mas antes eu não fui assim tão nobre com ela!” E me assaltou a ideia que, dessa forma, pelo pensamento, eu estaria completando tudo aquilo que você merecia, preenchendo um vazio que em ti restava. Tanto amor que de mim você era credora. Amor que mais e mais você pedia, e eu, cafajeste, muito pouco te dedicava. Cheguei a imaginar, que no outro lado da linha, você, por telepatia, estava a me pedir, todo o amor que eu devia.

Dia após dia, como se fosse uma obsessão ou um fanatismo eu continuava em voz baixa a dizer: “ – Angelita, Angelita, Angelita!” E buscava o teu semblante no ar, nas nuvens, nas estrelas, no céu. Eu que já estou indo para o inferno por pecados iguais a esses que contra ti cometi. Eu que te deixei numa noite, quando peguei minhas coisas e bobo, soberbo, resolvi partir. E você implorando: “ – fica, fica; não vai embora meu amor! Não sei mais viver sem ti!” Fui. Dois anos ficamos juntos. Botei fora uma preciosidade por conta desta alma inconfiável e aventureira que me deram de presente, ou por castigo.

Pago com dignidade meus pecados. Mas essa agora de tua imagem e o teu nome voltarem e ficarem grudados em mim, me intranquiliza, me agita, me inquieta, pelo simples fato de eu não conseguir uma explicação para tão constante e surpreendente presença.

Querida Angelita, podes pensar o pior de mim. Como bem sabes sempre fui leviano para o amor. Sei que não retribuí na altura os teus sentimentos. Sei quem sou, e por desgraça vou morrer atirado nas lidas mundanas, sem amores demasiado longos; amores que nunca os mereci, e os tive; que não os mereço e ainda os tenho, embora que mais escassos.

Agoniado, consultei uma amiga, já agora uma respeitável senhora. Ela, romântica e voltada para os acontecimentos do além, me disse com muita convicção que você Angelita, que era você me chamando, Angelita. Que era um daqueles mistérios que jamais entenderemos com a razão, o que estava acontecendo comigo. E que eu deveria te procurar. Que eu escutava era a voz do amor. Que algo de muito poderoso estava acontecendo, e que eu teria, até por um dever espiritual, a obrigação de te procurar, Angelita.

Em casa revirei gavetas, busquei antigas anotações, velhas agendas, pedacinhos de papel, até que encontrei o número do telefone da casa dos teus pais. Respirei fundo com aquele cartãozinho preso nos dedos. Adiei por um dia, dois, quatro, no quinto tomei coragem e liguei, sem me identificar.

Meu Deus, porque telefonei! No outro lado, uma senhora com um fio de voz me disse chorosa: “ – a Angelita, nossa amada filha, faleceu há um mês atrás num acidente de automóvel, junto com o seu marido e a filhinha de três anos.” E começou a soluçar.

Não quis ouvir mais detalhes sobre aquela tragédia. Desliguei o telefone, deitei de bruços no piso frio da sala e rolei e chorei todas as minhas lágrimas por ti, Angelita. Estou chorando em seco até hoje. Vou chorar sempre por ti, Angelita. Minha cabeça está confusa. Não, Angelita, não choro por ti; choro por mim, Angelita. Não, Angelita, não Angelita, não choro por mim, nem por ti; choro por nós dois, Angelita. Não, choro só por ti, minha Angelita, que sempre foste maior e melhor que eu: um traste.

Outro dia, seja lá onde for, se das garras do demônio eu me safar, hei de te encontrar novamente. E juro, que lá nas alturas, irei quitar ‘pessoalmente’ tudo que fiquei te devendo. Com um anjo de asas azuis como testemunha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário