sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A RÉGUA DE PLÁSTICO AZUL (um conto infantil)

Eu estudava numa escola rural, lá em Caçapava. Tinha sete ou oito anos e sonhava em ter uma régua de plástico azul.

Um dia quando o meu pai viajou para a cidade, eu pedi: - Pai, compra uma régua de plástico azul pra mim?

Ele nem me olhou.

Enquanto ele não voltava eu não tirava o meu pensamento da indiferença dele com o meu pedido. Por ter quase não me ouvido, imaginava, triste, que ele não iria trazê-la.

Como eram feitos de pequenos desejos os sonhos das crianças. Ora, uma régua de plástico! Que bobagem! Hoje, pura besteira. Mas naquela época eu queria-porque-queria uma régua de plástico azul.

Já me imaginava traçando linhas retas, triângulos, quadrados e retângulos bem retinhos, diferentes daqueles desenhos tortos que eu fazia a mão livre ou com uma tabuinha improvisada. Nem dormi direito as duas noites que ele esteve na cidade.

Quando voltou com a bagagem cheia de compras eu só olhava para o rosto dele igual um cachorrinho com fome pedindo um osso para o seu dono. Ele foi tomar café e eu fiquei debruçado na beirada da mesa, prestando atenção naquela xícara que nunca esvaziava.

Depois, quase uma eternidade, abriu os sacos, malotes e sacolas e a minha mãe e a Leda iam colocando nas prateleiras da despensa os mantimentos: erva-mate, açúcar, farinha, sal, latas de goiabada, umas garrafas de vinho, xarope pra tosse, fortificantes, medicação para o gado..., e nada de aparecer a minha régua azul. Já estava quase chorando, com a garganta engolindo umas bolas amargas de tristeza, quando, do fundo de uma sacola, enrolada em guardanapo de pano, surgiu, dona de um azul bem forte, brilhosa, a minha régua tão esperada.

Peguei com as duas mãos aquela conquista e corri faceiro para o meu quarto. Queria ficar sozinho para apreciá-la. Era linda. Numerada até 30, com os números e os tracinhos brancos bem definidos. Que alegria quando se alcança um desejo grande, devo ter pensado, tamanha era a minha felicidade.

Abri a minha pasta escolar, para juntar a ela os lápis de cor e os de escrever, a borracha, a cartilha do Olavo, o livro “Simplicidade” e o meu caderno cheio de orelhas-de-burro, e quando fui procurar a régua não a encontrei. Virei o corpo para direita, para a esquerda, para trás; levantei da cama, apalpei a colcha, e nada. Sentei novamente e escutei um estalo.

Escondida numa dobra do tecido, sentei em cima e quebrei ao meio o meu ainda não inaugurado presente - a minha régua de plástico azul. Ela que eu ainda não tinha mostrado para os meus colegas de escola, que com certeza morreriam de inveja. Só eu tinha uma régua tão bonita, novinha, brilhando de tão azul. A Manuela tinha uma, mas era dessas transparentes, antigas, toda arranhada. Fiquei tão mal com aquele desastrado acidente que enfiei a cara no travesseiro pra chorar baixinho horas a fio, aquela terrível perda.

Mais tarde, desapontado, peguei os dois pedaços e os levei até a sala onde o meu pai e a minha mãe conversavam sobre as novidades da cidade.

Mostrei a régua quebrada e pedi choramingando: - Pai, quando tu for de novo na cidade, compra outra régua pra mim?

Outra vez, ele nem me olhou. 

Tentei colar os dois pedaços, esquentando as extremidades partidas sobre a chapa quente do fogão a lenha. Queimava; saia uma fumaça escura e fedorenta, encostava uma parte na outra, colavam, para logo em seguida se partirem novamente.

Meu pai foi várias outras vezes na cidade, e a cada viagem eu me enchia de uma esperança boba, que quando voltasse ele me traria uma nova régua de plástico azul.

Até que cansei de esperar e nunca mais fiz aqueles desenhos na minha vida. E detestei matemática pra sempre.

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