quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A LIBERTAÇÃO

No meio de uma tarde fria de inverno, encontro com a Luziane, recém-chegada de viagem, que me diz com a voz desfalecida: “ – perdi minha aliança de casamento em Paris! E o Ribeiro está pensando que tem coisa neste extravio.”

“ – Perdeste só a tua aliança em Paris, sua boba? Devias ter te perdido toda por lá. Ora se Paris é uma cidade para apenas se perder uma aliança!” – Provoquei.

Ela me olhou com espanto; em seguida, pensativa descansou o queixo na palma da mão, atirou o olhar para o vazio, sacudiu afirmativamente a cabeça, e falou pesarosa: “ – é verdade. Que pena! Fiquei sozinha por 30 dias, um mês inteiro me economizando, me preservando desde a sola do pé ao topo da cabeça. Fiquei tão comportada! Só museus, igrejas, pontes sobre o Sena, Arco do Triunfo, Torre Eiffel, restaurantes, lojas, passeios por bairros tradicionais e hotel, hotel e hotel. Disse que não para vários homens interessantes. Que desperdício!”

Casamento despencando ladeira abaixo, foi a Luziane refrescar a cabeça em Paris. Foi e voltou com as mesmas dúvidas, com os mesmos problemas; sem nenhuma solução para a sua vida.

“ – Você, uma mulher culta, inteligente, bonita, independente, vai à Paris e não trai aquele safado do Ribeiro, que tem amantes espalhadas por toda a cidade?! Pensei que havias viajado para, também, encontrar aventuras, aquelas que por aqui tanto te acanhas aceitar, que muito menos te permites procurar. Trair o Ribeiro é um dever, uma obrigação moral. Francamente, Luziane! “ – Alfinetei.

Mulher interessante, a Luziane: loira, alta, ótima aparência, 40 anos, sem filhos, pele e corpo dourado, tratados com academia, cremes e loções; dentista com fila de clientes na agenda, porém conservadora. Daquele tipo de pessoa que pensa que deve preservar o casamento a qualquer preço, inclusive aceitando as traições do marido.

“ – Deves aprender a não perder apenas aliança de casamento quando viajas e por onde vives. Aprenda a te soltar, a dar sumiço nesses valores antigos tão em desuso hoje em dia, enfim, deixa sair de ti essas amarras que te impedem de viver. Te perca mais, te extravie por onde andares, para assim encontrar a tua liberdade. Adquiras, minha querida, o hábito de te esquecer, para que as boas surpresas da vida possam te descobrir, para te indicar novos caminhos que ainda desconheces. Gostes de fazer desaparecer remorsos e medos que judiam o teu viver. Tenhas prazer em te desfazer destes nós que sufocam o teu coração. Abandona essas ervas daninhas que estão com as garras presas na tua alma. Só quando retirares de ti esses preconceitos e receios tolos conseguirás ser feliz.” – Arrisquei com sinceridade.

Servi as duas taças com o carbenet que restava na garrafa, quando ouvi ela dizer, resoluta: “ – basta! Agora me decidi! Vou me separar amanhã mesmo do Ribeiro. Vou me livrar daquele traste!”

Depois foi chegando o corpo para junto do meu. Deitou a cabeça no meu ombro, segurou a minha mão e ficou em silêncio por instantes. Cheguei a escutar as batidas do seu coração. Então ergueu o braço esquerdo até a altura dos olhos, girou com graça a mão liberta da aliança, e disse: “ – pronto! Vou viver a vida!” Levantou um pouquinho a cabeça, deslizou suave a boca de baixo para cima no meu pescoço e cochichou quentinho, assoprando devagarinho, toda fêmea, encostando os lábios quentes e a ponta da língua úmida na minha orelha: “ – queres inaugurar a minha libertação?”

Todo arrepiado, chamei o garçom. Paguei a conta. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário