quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CAÇADOR DE SONHOS

Preciso de matéria-prima. As notícias recebidas através dos sonhos estão entre as melhores. Os produtos nascidos dos sonhos são jóias raras não encontradas na crua realidade. As imagens e representações oníricas se diferenciam daquelas criadas pela imaginação ou pela fantasia, por pertenceram a outra fonte. São águas de outro rio. Águas das fontes dos desejos ou repulsas escondidas. O secreto de nós brota dentro do que sonhamos. É o inconsciente se manifestando. Por melhor que seja o que inventamos, jamais se igualará àquilo que os sonhos nos oferecem. É quando o impossível dá um grito, toma forma e se apropria da nossa consciência, ingressando vivo em nosso espírito, tal como experiência vivida. 

Não sou especialista em interpretação de sonhos. Não os compreendo muito bem. Apenas sonho. Dou estrada para eles caminharem. Sou uma tela em branco onde eles pintam as suas manifestações, com as tintas próprias de sua secreta e exclusiva substância. 

O difícil é aprisioná-los. Tê-los vivos na lembrança após acordar. São ariscos e fugidios, os sonhos. São pássaros, que se não tivermos habilidade, escapam fácil, nos deixando apenas com uma vaga recordação que se aproximaram, para sumirem batendo as asas, sem deixar rastro, em voo veloz, rumo para de onde vieram. 

Por saber da preciosidade dos seus conteúdos, me interessei em aprender a caçá-los. Me transformei em um caçador de sonhos. Procurei métodos e maneiras para não deixá-los escapar. Devo dizer que já evoluí satisfatoriamente. Domei a minha mente em acordar após um sonho e anotar numa folha de papel que deixo na beira da cama, como se fosse um alçapão, pronto para aprisioná-los. Engaiolar esses canários multicoloridos, habitantes de outra dimensão desconhecida. Assim, muitos deles, os sonhos que retive, depois de trabalhados transformam-se em textos inteiros ou em parágrafos de contos e crônicas. Sirvo-me deles. Até porque, os seus conteúdos são diversos dos nascidos da imaginação, da invencionice, por mais criativas ou delirante que sejam estas. Os sonhos trazem uma espécie de realidade que não conseguimos inventar. Não é o sonho um delírio, mas uma vivência encantada, registrada por uma lente de origem misteriosa, que a consciência, por mais fantasiosa que seja, jamais alcançará. É um acontecimento, uma luz vinda das ocultas nuvens da alma. 

De uns tempos para cá investi no treinamento mental para sonhar sobre determinado assunto, lugar ou acontecimento. Não é que vem dando certo! Nem sempre, é claro. Mas às vezes me surpreendo em ter sonhado exatamente com a ideia, que antes de adormecer, eu havia plantado na memória. Estou encantado com esta descoberta. Confesso que já ando conseguindo viajar, revistando situações antigas da minha vida, através deste artifício. 

Agora que estou me tornando em um perseguidor, melhor, em um caçador de sonhos, adquiri outro território para explorar. Já me sinto um bandeirante, um garimpeiro, ou um apanhador de invulgares insetos, que eventualmente consegue ter nas mãos uma pedra de valor ou uma borboleta com asas de rara beleza. 

Sonhar, é assistir dentro de nós uma espécie de relâmpago; um clarão vivo e intenso, um transe fugaz de imagens impossíveis, com a duração de acender um fósforo, porém, com o poder de deixar impregnado em nossas mentes, as peripécias em que fomos envolvidos. Além do mais, é o sonho a melhor parte do sono. Dormir sem sonhar é apenas descansar. É não sair do corpo para viajar para dentro de um outro mundo dono de formas estranhas e desconhecidas. O sono é apenas o veículo que usamos para sonhar, possibilitando que nossas intelecto ou espíritos alcancem o que está fora de nós; distante dos nossos olhos, longe dos nossos pensamentos, impalpável do nosso tato. No sonho, o abstrato se materializa. O imaterial adquire forma. A ausência se apresenta. O milagre de outra vida acontece. 

Preciso de matéria-prima. E esta que o sonho me oferece, é daquelas que mais gosto de ir buscar.

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