quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A VACA

A Cláudia é uma vaca. Vaca! Vaca! Vaca! É isso que ela é. Uma vaca safada! Isso! Uma vagabunda. Uma vaca vadia. Descarada. Uma prostituta imunda. É isso que ela é, gritava o Antunes no hall de entrada do prédio ao saber que a Cláudia havia ido embora com o moto-boy, o entregador de pizza. 

E assim, inconsolável, gritando palavrões, com tremores generalizados, histérico, arranhando os braços, mordendo os lábios, até que o síndico e outros moradores vieram para acalmá-lo. A dona Zizinha do térreo, trouxe água com açúcar, o Seu Bento do 1º veio com um chá de camomila, a Dona Francisca do 3º apareceu com uns comprimidinhos que ela usa pra se tranquilizar, e nada do Antunes sossegar. 

Eu não quero tomar chá nem remédio. Eu preciso é de uma garrafa de cachaça e um 38, berrava o Antunes desesperado. Vou matar aquela desgraçada. Aquela vaca nojenta. Vaca! Vaca! Vaca, gritava sem parar, batendo forte com os pés no chão. Bem que eu desconfiei da quantia de caixas de pizza lá em casa. De todos os sabores. De todos os tamanhos. Não aguento mais enxergar pizza. Nem sentir o cheiro. Enjoei pra sempre, e aquela vaca dê-lhe comprar mais. Dê-lhe portuguesa, calabresa, com tomates secos, com queijos e mais queijos, com catupiri e sem catupiri, com borda recheada e sem borda recheada, mais aquelas adocicadas. E aquelas de banana com gemada, credo, que horror. 

Vou matar aquela vaca nojenta que me encheu de pizza só pra agradar aquele motoboy f.d.p. Aliás não vou matar só a vaca da Cláudia, vou matar também o motoqueiro e botar fogo naquela moto de bosta. 

Depois, de tanto xingar a Cláudia, o Antunes foi se acalmando, se acalmando, relaxando, se apagando, sentou na poltrona ao lado da portaria, sob os olhares de compaixão do zelador, do síndico, da Dona Zizinha, do seu Bento, da Dona Francisca e de todos os outros moradores que desceram dos quinze andares pra conferir o motivo daquela gritaria. 

E dormiu o Antunes. Dormiu de boca aberta, babando queixo abaixo por quase uma hora, enquanto todos comentavam a fuga da Cláudia com o motoqueiro. Em pouco tempo o caso virou fofoca na quadra inteira. Já havia uma aglomeração de curiosos na calçada espiando através das grades da frente do prédio, a situação ridícula do homem abandonado. “ - É, fugiu com entregador de pizza, dizia a Dona Zizinha, a maior fofoqueira do edifício, com um sorrisinho matreiro, escondido com as palmas das mãos. 

Quando já estava todo mundo se retirando o Antunes abriu os olhos, pulou da poltrona, olhou em volta, colocou as mãos no rosto, se arranhou com as unhas compridas e bem tratadas que usava e gritou: vaca! Vaca! Vaca! Vagabunda! Mil vezes vaca. É isso que ela é... e se calou. 

“ - Gente, começou tudo de novo”, gritou a Dona Zizinha, avisando o pessoal que já estava indo embora. 

O Antunes fungou forte e aspirou um catarro que estava preso na garganta e um ranho frouxo do nariz, e deixou sair pelos olhos as lágrimas de uma tristeza infinita, e sem se importar com quem estava por perto, disse, com o tom de voz das almas recém traídas: “ - Não. Não e não. Não pode ser verdade. Quem ama aquele moto-boy sou eu. Muito mais do que aquela vaca da Cláudia. De verdade, só eu amo aquele rapaz. Lindooo!” 

A Dona Zizinha, não aguentou e explodiu numa grande gargalhada. Todos os presentes riam daquele inusitado dramalhão. O Seu Bento teve um acesso de tosse. A Dona Francisca sofreu mais um ataque de nervosismo. Lá fora, junto as grades, em coro o povo gritava: bicha! Bicha! Bicha! 

Só o Antunes Chorava.

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