quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A VOCAÇÃO DA JUANITA

A Juanita desde pequena tirava a roupa. Em público. Bastava um descuido e pronto, lá estava a Juanita nua. De nada adiantavam os conselhos, as repreensões, os castigos e os longos discursos moralizantes; uma e duas e a guria ficava em trajes de Eva. 

Depois, no colégio, a mesma coisa. Chegava a hora ao recreio, todos no pátio pegando sol para a Juanita repetir o antigo gesto. Foi expulsa da escola. Daquela e de todas as outras. 

Sem resultado as consultas com psicólogos, psiquiatras e medicação pesada. Pura perda de tempo os serviços espirituais, rezas, promessas e despachos na encruzilhada. Quando menos esperavam, ela aparecia bem faceira, toda orgulhosa, mostrando o corpinho, que já, prematuramente, pegava jeito de mulher. 

Festa de aniversário em casa era um problema. Nem tinham mais gosto em comemorar. O pai e os irmãos mais velhos faziam longas reuniões; pediam pelo amor de Deus para ela se comportar. E a Juanita prometia bom comportamento. Mas na hora do parabéns a você, como sempre, bem naquela hora de alegria, a danada subia numa cadeira para dar início no seu espetáculo particular. Vergonha geral diante dos vizinhos, parentes e demais convidados. 

No seu baile de 15 anos foi um horror. No momento da valsa, todas as debutantes alinhadas com seus pares no meio do salão. Foi iniciar os primeiros acordes do Danúbio Azul, para a Juanita arrancar pelo pescoço, o bufante vestido branco, depois a calcinha e o sutiã. Ficou só de sapatos para escândalo da sociedade local, ali toda reunida. Isso sem falar, que com essa pouca idade, já havia experimentado os prazeres do sexo, com todos os rapazes do bairro, mais os amigos dos irmãos, mais os desconhecidos que atraia por onde andava. Aquilo já nem era um desvio moral ou safadeza, parecia uma forte vocação. Uma espécie de dom. Uma predisposição que surgia ao natural, assim como a planta que brota da semente. 

De tanta vergonha acumulada decidiram colocar a Juanita num rígido internato de freiras, reconhecido pelo severo regime disciplinar, famoso por endireitar as moças mais rebeldes da redondeza. Carregava esta decisão do pai, uma desesperada e derradeira tentativa de correção. Se ali não desse certo, o problema, definitivamente, não teria solução. 

Até que ia tudo bem. Já havia passado mais de um semestre sem que Juanita tiveste uma recaída. Parecia curada, diziam em casa, aliviados. 

Pois chegou o fim do ano, com a cerimônia de entrega dos boletins. As famílias das internas em peso lotavam o auditório. As freiras com seus hábitos engomados deram início naquela tão aguardada solenidade anual, com a presença das autoridades locais: bispo e sacerdotes, vereadores, secretário de educação e o prefeito, delegado de polícia, promotor de justiça e o meritíssimo juiz da comarca, além de outros metidos a coisa importante. Foi, a freira mestre-de-cerimônias, chamando uma a uma cada interna até o palco, que abaixo de longos aplausos do público, receberiam das mãos da madre superiora o tal do boletim. 

Quando chegou a vez da Juanita, seus pais e irmãos aclamaram em pé, não apenas a aprovação para o ano seguinte, mas, principalmente, a recuperação da guria daquela estranha e vergonhosa maldição, ou fosse lá o que fosse aquilo. 

Pois aconteceu. O que não podia acontecer aconteceu novamente. A Juanita subiu os degraus, parou na frente do palco, virou-se para a assistência, abriu um sorriso desavergonhado e desbotoou o vestido azul marinho, uniforme da instituição, e ficou, para espanto geral, completamente pelada. Um escândalo. Duas ou três feiras correram até ela, cobrindo seu corpo com o vestido caído. O bispo e os padres levantaram da mesa das autoridades desceram apressados a escadinha e dispararam em retirada. Nova expulsão. 

Em casa, a Juanita levou uma surra, mas uma surra tão grande, que se fosse nos dias de hoje, seria caso de polícia. Ficou com o corpo, agora já de moça feita, todo marcado pelos lanhaços da cinta do pai. 

Encerraram a guria no quarto, para sempre, diziam com raiva. Nem sol teria direito. Mas foi a Juanita completar dezessete anos, para fugir de casa. Deve ter fugido para sempre, porque apesar de intensas buscas pela cidade, nem rastro da sua existência. 

Depois, surgiu um rumor que ela estaria trabalhando numa requintada boate, em famosa praia uruguaia, onde fazia shows de streptease e programas com clientes de boa fortuna. 

O pai nem foi procurá-la. Certa noite, quando perguntado, na hora do jantar, apenas disse: “ - deixa ela por lá. Agora a Juanita deve estar feliz, afinal, vocação é vocação. Não se deve interromper uma carreira feita de um talento nascido dentro do berço. É uma dádiva poder trabalhar no ofício para o qual a gente nasceu!” 

Terminou de falar, olhou recriminador para a mulher e pediu outro prato de sopa e mais um copo de vinho para o filho mais velho. 

“ - Porque essas inclinações, sempre passam de mãe para filha. Com DNA o assunto é sério. Genética, é coisa que não se brinca.” Concluiu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário