sexta-feira, 4 de outubro de 2013

AS CONTADORAS DE HISTÓRIAS

Catarina perdeu os pais muito cedo. Era ainda uma criança. Depois foi criada pela avó, viúva. Viviam só as duas naquele casarão antigo, que de tão grande não cabia inteiro dentro dos olhos da menina. Cercada de livros tomou gosto pelas histórias de ficção, dessas que saem da invencionice. E esperava ansiosa a hora de dormir, para escutar atenta, todas as noites, com os olhinhos azuis bem acesos, que pareciam duas bolinhas de luz, os causos que a Vó Zilda lhe contava. Então adormecia envolvida por um mundo mágico, feito do mais puro encantamento. 

A história que a Catarina mais gostava de ouvir era aquela da girafa que tinha um pescoço muito comprido, tão comprido, que subia tão alto, que podia enfiar a cabeça dentro das nuvens que navegavam pelo espaço. Acontece, que a dona girafa era muito mentirosa, e inventou que espiava tudo que acontecia lá no céu, e relatava para os outros animais da floresta, tudo aquilo que havia visto lá em cima. Disse, a girafa mentirosa, que quem mandava no céu era um girafão enorme que usava uma coroa de rei na cabeça, e que todos os bichos que lá viviam, lhe obedeciam. Esperta, ela avisou, que o rei girafão do céu, mandou dizer que aqui na terra, todos os animais, a partir daquele dia, deveriam respeitá-la e obedecer as suas ordens. E todos acreditaram na lorota da espertalhona. Assim, ela se transformou na rainha girafona, que chefiava, mandava e desmandava em todo o reino animal. Todos corriam para atender tudo o que ela ordenava. Até que um dia, quando a danada foi espiar no céu outra vez, um macaquinho muito esperto e curioso, o único que tinha o rabo vermelho, subiu rápido, pescoço acima da dona girafa, sentou na sua cabeça, e agarrado nas suas orelhas, meteu a cabeça no meio das nuvens, olhou em volta e desceu correndo, de rabo erguido, louco para contar o que havia visto. Trepou no galho de uma árvore gigante e gritou para a bicharada: “ - é mentira dela. Não tem ninguém lá em cima daquela nuvem. O rei girafão não existe. É tudo invenção da girafa.” 

O leão que havia sido expulso do seu trono pela força da história enganosa, criada pela impostora rainha girafona, voltou a ser majestade, e nomeou o macaquinho do rabo vermelho como seu secretário particular, e colocou a girafa mentirosa de castigo, obrigada a repetir, enquanto vivesse, em voz alta para todos ouvir: “ - mentir é feio! Mentir é feio! Mentir é feio...” Além da proibição de nunca mais poder espichar o pescoço para espiar o que existe acima das nuvens. 

A Catarina ocupou a sua infância, ouvindo e lendo as mais bonitas histórias, aquelas feitas para trazer um mundo novo na imaginação das crianças. Passou o tempo, estudou, tornou-se professora de literatura e escritora de histórias infantis. Normal e boa andava a vida, até que a Vó Zilda já muito idosa, e necessitando de cuidados especiais foi morar numa casa geriátrica. E lá estava a Catarina, todos finais de tarde, sentada ao lado da cama, conversando e contando histórias para a velha senhora, quando ela adormecia com a expressão de bem-estar. 

Um dia, a Vó Zilda pediu para a Catarina: “ - me conta aquela história que você tanto gostava. Aquela da girafa mentirosa e do macaquinho do rabo vermelho. E depois conta aquela da galinha que ficou careca, e mais aquela outra, tão bonita, do anjo que cuida das crianças e dos velhos.” Bem quietinha a Vó Zilda dormiu, antes que a última história terminasse. 

Certo final de tarde, já anoitecendo, muito enfraquecida, a Vó Zilda chamou a Catarina para bem perto de si e disse: “ - vou morrer esta noite, e quero te agradecer, minha neta querida, a tua presença permanente, e por teres animado e tornado fantástico os meus últimos tempos de vida, com as narrativas que você me contou. Aquelas mesmas histórias, que lá atrás, quando você era menina eu te ensinei. E repetiu uma antiga sentença que sempre dizia: é o circulo se fechando. Ele sempre se fecha, minha filha! A missão do círculo, é um dia se fechar. O círculo sempre se fecha... sempre se fecha... 

A Catarina deitou mimosa na cama ao lado da avó, a envolveu com um quente e amoroso abraço, e com os rostos encostados um no outro, falou baixinho, com todo o carinho que tinha guardado no coração: “ - mas a morte não existe não existe, vó amada! Isso que todos chamam de morte, é apenas um sonho bonito que não termina nunca. A gente faz de conta que vai dormir e solta a imaginação, pensando nas imagens boas, nos bons momentos que vivemos, nas pessoas que enfeitaram a nossa vida, nos jardins que plantamos e nas belas flores que colhemos, e nos nossos bichinhos de estimação. Aí então, vó querida, a gente dorme e vem o sonho que embeleza tudo na nossa volta, e a agente nem sabe que morreu. Fica ali sonhando para sempre! Sabes vó? É lá onde nasce o sonho que são fabricadas as ilusões, as fantasias; todas as histórias que contamos uma para a outra e que tanto maravilharam as extremidades das nossas vidas.” E continuou a Catarina: “ - Vó Zilda! Não somos ossos, corpo, pedra, muito menos ferro. Somos feitos de sonhos e imaginação. Estes sim, fazem os ossos, o corpo, a pedra, o ferro, e as asas que trazem a alegria para a nossa existência. A fantasia, vó! A fantasia vó! Sem ela é impossível a gente viver!” 

A seguir, a neta contou várias histórias para a vó, de um jeito que nunca antes havia contado: com mais força, mais vida, com mais humanidade, até o momento em que a Vó Zilda, amparada, subiu para o céu. 

Morreu a Vó Zilda nos braços da Catarina, com um sorriso desenhado no rosto. Decerto achando graça da história da girafa mentirosa e do macaquinho do rabo vermelho. 

A Catarina levantou-se da cama, abriu a janela do quarto e jurou que viu a Vó Zilda bem faceira, montada e agarrada no pescoço da girafa, que passara voando embaixo da lua cheia, com o macaquinho sentado na sua cabeça, que sacudia o inquieto rabo vermelho; festeiros, acenando, como que fazendo um convite para ela, a Catarina, também participar daquela brincadeira. 

A Catarina sentiu uma brisa suave lhe invadir a alma. E com os olhos firmes na imagem que via, retribuiu o aceno com as duas mãos, e pensou: - sempre que alguém conta uma história, cria uma surpresa e um sonho na imaginação das pessoas; que as vezes, até se transforma em realidade!

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