quinta-feira, 31 de outubro de 2013

MOÇO, POR FAVOR, NÃO COME A MINHA MÃE

Igual a outras moças desamparadas, a Angelita começou cedo na prostituição. Veio para a cidade grande com o firme propósito de se esforçar para espantar a miséria em que vivia. 

Primeiro trabalhou numa casa de família, logo depois num balcãozinho vendendo bugigangas até que aprendeu a ganhar a vida vendendo o próprio corpo. Em seguida engravidou do Pedrinho e de mais duas meninas, sem contar os abortos feitos com agulhas de tricô. 

Na rotina do seu ofício, recebe alguns clientes em casa e outros atende onde é chamada. Onde mora, eles entram e saem na frente das crianças, que ela pensa que não compreendem o motivo daqueles rápidos encontros. E dos que frequentam a sua cama, tem um antigo, que desde o começo se satisfaz naquelas carnes vendidas por quilo. Até leva a mulher pra jantar de vez em quando, num restaurantezinho escondido ali por perto. 

Pois, de novo chega esse senhor, o Júlio, numa camionetona prateada, e antes de entrar, alcança uns doces e uns trocados para o Pedrinho, que de cabeça baixa estende a mão frouxa e faz um sorriso amarrado por um sufoco, complexado, daquele jeito que os envergonhados sorriem quando agradecem qualquer ajuda. 

Angelita já passou dos trinta. Está gasta, se terminando, de tanto servir aqueles que lhe procuram. Ultimamente, apareceu uma tosse seca e insistente pra atrapalhar, mas ela não pode parar. As suas crias precisam comer. Não tem hora para trabalhar: de dia, de noite, de madrugada. Quando falha a clientela fixa, vê o dia amanhecer, com as pernas de fora numa esquina fria, esperando pra virar despejo de alguém. Muita bebida, cigarros e drogas para conseguir suportar o desgaste da atividade. 

Nas suas prolongadas ausências, fica em casa o Pedrinho com dez anos e sem escola, cuidando das duas pequenas: uma com quatro, outra com três; todos de pais incertos. 

Magra, amarelada, cai de cama a Angelita. Tossindo e botando no escarro os primeiros traços de um sangue vermelho vivo misturado com umas manchas amareladas de pus. Abandonada, ninguém lhe atende, a não ser uma colega de profissão, um ou outro travesti que levam a cada semana uns pacotes de comida, umas notinhas miúdas e umas moedas; naquela pobre solidariedade que brota daqueles que vivem como marginais. 

Passam os dias, e não mais do que em meia dúzia de semanas aumenta a debilidade física da Angelita. Os olhos se encondem opacos lá no fundo tal dois bichos assustados em suas tocas. Os lábios murchos trincam, as mãos descarnadas tremem, e por cima do assoalho e das cobertas sai um cheiro podre dos catarros cobertos de sangue e daquele suor feito de água doente, filhos daquela tuberculose desgraçada que empestam as três pecinhas da casa. Está ali, a Angelita, sem se alimentar, febril, sem forças, esquelética; voz rouca no último fiapo e uma dor insuportável no peito, se aprontando pra partir daquela vida sem valor. 

As duas meninas ranhentas, há muito tempo sem banho, pés descalço, com uns vestidinho de terceira mão, brincam de mamãe com umas bonecas velhas e sujas, abandonadas no pátio poeirento. Pedrinho, perdido, choroso, quase só no mundo, atordoado, não sabe o que fazer. Fica por ali, frágil, sentado nos degraus da porta com as duas mãos segurando o rosto, olhando meio pai, meio irmão, meio nada para as meninas, sentindo no coração as ferroadas venenosas vindas daquele insensato desmazelo. 

Tardezinha, véspera de natal, estaciona a camionetona prateada. Desce o Júlio e vai em direção a porta. O Pedrinho levanta a cabeça e vê aquele homem enorme na sua frente. Sem pensar, e pela primeira vez decidido, olhou firme o rosto do Júlio e disse: “ – Moço! Por favor, não come a minha mãe. Vai lá dentro, e só olha, o jeito que ela está !” 

Na saída, três minutos depois, Júlio deixa umas notas graúdas e o cartão de visita nas mãos do Pedrinho, com uma aviso: “ – Quando tudo terminar, telefona, meu filho”.

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