quinta-feira, 31 de outubro de 2013

AS MULHERES QUANDO SE AMAM É PRA VALER

No colégio, no tempo que um dos ciclos de ensino se chamava ginásio e o seguinte de científico ou clássico, coisas essas estranhas, que os mais novos nunca ouviram falar, a Suzana, a Cristina e o Oscar, estudavam na mesma turma. Além de colegas eram amigos. Tão próximos que dia sim, dia não, alegando a necessidade de revisar as matérias, a Cristina pernoitava na casa da Suzana. Aos domingos iam os três nas matinés, que é outra expressão jurássica, que o pessoal de hoje nem sabe do que se trata. 

Assim passaram-se os anos, a faculdade, e os três sempre juntos, desfrutando aquela afetuosa convivência. Até que, por razões desconhecidas, a Suzana, inesperadamente, aceitou casar-se com o Oscar, pra desespero da Cristina, que em protesto não compareceu na igreja. Nem na festa. Ficou em casa chorando no quarto. 

Com a formação de uma dupla, desfêz-se o trio. 

O casal, recém formado em medicina foi trabalhar no hospital de uma cidadezinha distante: Areia Santa. E por lá viveram aproximadamente um ano e meio. O Oscar além dos plantões dos dias de semana trabalhava nos sábados e domingos quando a Suzana viajava para a capital. Enquanto que a Cristina, também médica, atendia no seu concorrido consultório, aqueles que tinham a cabeça desnorteada. 

Um dia não suportaram a monotonia e a rotina da cidadezinha e das suas vidas como marido e mulher, e resolveram se separar, e separados voltaram para a capital e foram de início morar com os seus pais e não mais tiveram contato. Durante três anos não mais se viram. Nenhum deles sabia nada sobre a vida do outro. 

Numa noite de sexta-feira o Oscar sai atrás de diversão. Está passando por um local movimentado, ponto de encontro na noite numa rua com grande concentração de barzinhos legais e descolados. Lugar de gente bonita e alegre. Um cenário onde lançam moda, idéias e procedimentos, e onde ninguém repara os comportamentos de ninguém. Coisa de cidade grande que deixou de ser provinciana, onde, até os artistas famosos são levemente notados sem serem assediados com todo aquele devotamento piegas que os fãs mais simplórios dedicam para as celebridades. 

Pois, vai andando pela calçada, faceiro o Oscar, assoviando. De mãos nos bolsos. Para diante de um barzinho, olha lá pra dentro, vai adiante, para noutro, escuta uma música ao vivo, anda mais um pouco, olha o movimento na calçada, para de novo e assiste um artista de rua que com habilidade maneja os seus malabares. Dá mais uns passos, levanta a cabeça e vê entre os prédios altos o encanto da lua cheia brilhando bonita no céu. 

Desce o olhar, e então os seus olhos viram aquilo que jamais deveriam ter visto. Pois viu, reviu, piscou e viu de novo, confirmou a visão e tremeu. Chegou mais perto, quase encostou-se na mesa, apoiou as mãos no espaldar da cadeira vazia. E viu outra vez, e sofreu. 

Ali estavam, abraçadas, com as bocas grudadas num beijo apaixonado, com a felicidade reluzindo em suas peles douradas, a Suzana e a Cristina, cada uma usando idênticas alianças de matrimônio no anular da mão esquerda. 

Todos ouviram um grito de bicho: “ - O que é isso Cristina? Pelo amor de Deus, o que é isso Suzana?” 

As duas desfizeram o abraço, desmancharam o beijo, desarmaram a paixão e olharam sem surpresa para o Oscar. 

- É o amor, meu querido. Sempre nos amamos - disse a Susana. 

- Sempre se amaram?! De que jeito? Desde o tempo do ginásio? Do científico? Da faculdade? 

- Claro bobinho. Desde sempre. Vais dizer que nunca suspeitaste? 

- Lógico. Agora faz sentido. As noites que vocês duas dormiam juntas, na tua casa, Suzana. As viagens nos finais de semana que tu fazias de Areia Santa pra cá. Fechou. Caiu a ficha. Entendi tudo. 

- Mas Suzana, por que tu aceitaste casar comigo? Vai, seja sincera? 

- Queres saber? Queres mesmo saber? Então tá! É o seguinte: antes de casar com a Cristina, eu precisava ter certeza que viver com homem não era o meu negócio. Desculpa, se te usei, Oscar!!! 

Passado o susto, o Oscar afastou a cadeira da mesa e sentou-se junto com as duas. Pediu uma rodada de bebida e com um certo ar de deboche perguntou: tem uma vaguinha nessa dupla? 

- Se olharam os três, brindaram e tomaram de um só golpe as tulipas de chope. Se levantaram e se abraçaram. Depois encostaram as cabeças e disseram umas palavras doces que só eles ouviram. Pareceu que selavam um acordo e comemoravam alguma coisa importante. 

- Lá fora, a lua cheia já tinha ido embora para encantar outro lugar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário