sexta-feira, 27 de setembro de 2013

CHARLOTTE

Conheci a Charlotte numa cidade do interior. Francesa, de pele muito branca e boca vermelha e tentadoras pernas longas e um jeito bonito de falar naquele sotaque sensual que fazia questão de acentuar, por saber que muito lhe acrescentava. E um olhar de bicho faminto, de quem queria sempre mais. 

Na época, devia ter trinta anos; não mais. Mas que significavam um século de existência, se fossem computadas todas as suas experiências sexuais adquiridas neste vasto mundão. Detinha todo o conhecimento das técnicas do prazer e dos atalhos sentimentais, para fazer um homem por ela se apaixonar. Tinha-se a obrigação de afirmar que tratava-se de requintada profissional dos pecados da carne, e conceituada especialista em causar transtornos existenciais nos ingênuos que a conheciam. Sua presença no salão provocava galopes na testosterona dos que assistiam tamanha desenvoltura e elegância, a cada aparição. 

Não que fosse linda. Não! Era quase bonita, apenas. Entretanto, possuía charme, treino, cheiro, pose, enfim, as armas fundamentais para o pleno exercício da arte da sedução; aquele encanto natural que nasce por bondade da natureza, para tão poucas mulheres. Tinha a posse de uma espécie de luz interior que aflorava com energia e beleza, iluminando toda a sua pessoa. Parecia que havia se apoderado de uma invencível e sobrenatural força de atração. 

Assim, via-se a Charlotte, dona de uma casa de mulheres, que vendiam, a preço combinado, além dos préstimos sexuais, leviana companhia e ilusões para quem as havia perdido. Nove ou dez, eram elas. De longe vieram todas. Algumas, da Banda Oriental. Mas a clientela, das outras moças, quase nada queria. Queriam, esperavam horas se preciso fosse, que folgasse a Charlotte, que passava a noite inteira ocupada, no vaivém do salão para o quarto, com seus clientes de estimação. As demais moças faziam sala; aborrecidas, suportavam aquela concorrência desleal. Evidente que também trabalhavam, mas permaneciam pela moradia, pela alimentação; pelo ambiente festivo, pela proteção. 

Mas, havia um estancieiro, o velho Galdino, poderoso coronel, proprietário dos eleitores, dono de muita terra e gado gordo da região, que apaixonou-se, de ficar louco pela Charlotte, e exigiu que ela só saísse com ele. Mais ainda: propôs em tom severo, que fechasse o cabaré, para ela ser sua, somente sua. Que bancaria vida cara e luxenta. Que teria tudo que sonhasse. 

Fechar a casa, ela disse que não. Porém aceitou as mordomias oferecidas e prometeu exclusividade com aquele olhar falso no semblante; aquele olhar que se usa quando se faz promessas, feitas para não serem cumpridas. 

Feito o acordo, entrava o Galdino todo garboso no salão, e os presentes cochichavam, respeitosos: “ - chegou o dono da Charlotte!” Para as outras gurias até que foi um bom negócio aquela aparente espécie de monogamia. Sobrou para elas, os clientes da francesa. 

Andava tão bem aquela parceria que o velho Galdino já estava decidido e instalar a Charlotte num apartamento na capital. Só, que na vida, quase sempre, a escrita não é corrida. Sempre aparece um empecilho para atrapalhar os planos da gente. 

O garçom Jeremias, que sempre acompanhou a Charlotte em todas as casas que ela botava para funcionar, sentiu no coração, os puaços da traição. Por dinheiro a Charlotte podia ser de quem pagasse. Aquilo seria uma forma de um breve arrendamento ou de uma locação temporária. Mas atenção especial com ânimo de exclusividade, isso não. Isso ele jamais aceitaria. Amor, amante fixo e beijo na boca, isso só ele, só ele e mais ninguém, teria este direito. 

Certo final de noite, o Jeremias esperou o velho subir para o quarto com a Charlotte, aguardou mais um instante, abriu a porta com um 38 na mão, pronto para liquidar com resto de vida do Coronel Gladino. 

A cama estava vazia. Por de trás de uma cortina saiu a Charlotte que disparou contra o Jeremias. Caiu morto sobre o tapete persa ao lado da cama. 

O velho disse que assumiria aquela morte. Que ela não se preocupasse. Depois ela exigiu um apartamento de cobertura, de papel passado, e um cabaré fino na capital. Foi assim comentado o ocorrido, e assim permaneceu. 

Foi ali, naquele ambiente requintado, embalado ao som de um conjunto que tocava música francesa, boleros famosos e tangos de Gardel, mais cantoras e bailarinas que, anos mais tarde reconheci a Madame Charlotte, que usava vestidos feitos por renomados costureiros e adornava a sua pele branca como uma nuvem, com pesadas jóias de ouro cravejadas com diamantes, rubis, safiras e esmeraldas. E na ausência do Coronel Galdino, que mais permanecia na estância, satisfazia a custa de muito dinheiro, todo ricaço que aparecesse. Que mulher que nasce para ser puta, não tem remédio que cure, nem religião que ajeite! 

“ - É tudo lenda o que falam a meu respeito. Tudo lenda! Basta subir na vida para surgir histórias mentirosas sobre o passado da gente.” - Me disse a Charlotte, passando os olhos pelo ambiente que ia muito além daquilo que se entende por cabaré. Era uma bela casa de espetáculo, daquelas, que não existem mais. 

Se a morte do Jeremias não tivesse acontecido numa cidade conhecida por mim, teria acreditado nela, cegamente. Porém, certeza, certeza mesmo, essa ninguém tinha. 

Vai ver que ela, imaginando que eu pudesse saber do seu passado, mandava me servir as melhores bebidas e me oferecia sempre, a moça mais bonita da casa. Tudo cortesia, porque se torna poderoso aquele que guarda, embora incerto, um segredo de valor. 

Depois andei casando duas ou três vezes, não me lembro bem, e desapareci da boêmia. 

Dizem que a Charlotte, após a morte misteriosa do Coronel Galdino, de quem recebera polpudo testamento, se bandeou para o Uruguai ou Argentina, onde mantém, agora já idosa, em prestigiada praia, luxuoso cabaré. 

Gente muito boa, a Charlotte. Com a devida distância, sendo mantida. É claro.

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