sábado, 21 de setembro de 2013

RECOMEÇO

Coisa mais triste do mundo era ver aquelas crianças chorando. Se não eram doze, menos do que dez não eram. Uma escadinha, com a última de colo, e as mais velhas, ranhentas, pançudas de lombrigas; umbigos saltados pra fora. Com o corpo e os cabelos duros de sujeira. Sem falar naquela outra sem sorte, que estava recém se formando na barriga da Lindaura. 

Choravam, não por manha, mas de fome, as coitadinhas. E ninguém fazia nada. E a negra parideira só paria e atirava na terra suja, o indigente resultado vindo do seu único prazer. 

Ninguém afirmava que daquela turma houvesse dois filhos do mesmo pai. Como era oferecida a Lindaura, que por ignorância não sabia se acasalar, sem que ficasse uma semente viva se retorcendo no seu ventre. 

Andavam soltos na vila, sem rumo, como uma ninhada de cadela de rua. Os menores sem roupa, atrás de um pedaço de pão, choramingando sufocado aquela choradeira aflita dos desamparados; da cria humana que ainda não sabe que é um animal imprestável e, que, se sobreviver, irá se transformar, por desforra e falta de oportunidade, em cruel e indomável fera. Quando anoitecia dormiam amontoados feito bichos, uns aquecendo os outros com o pouco calor dos seus corpinhos inocentes. 

Os vizinhos quase não podiam ajudar. Eram tão ou mais miseráveis que eles, que não tinham nome, só apelidos: era Dinha para cá, Dinho para lá, Niquinho e Niquinha, e dos outros que nem é bom lembrar; daquelas crianças que só choravam, que não tinham data de nascimento, que nunca faziam aniversário. 

Viam, noite adentro, a Lindaura entrar nuns matos com um bêbado qualquer e voltar toda faceira, rindo uma risada desdentada, agradecida pelo coito oferecido, segurando como pagamento, um pacotinho de uma guloseimas vagabundas. No mais era só choro, só xingamentos, só brutalidade. Só miséria. Só fome. 

No inverno apareceu um andaço de uma moléstia desconhecida que matou gente sem parar. Principalmente os pequenos. 

O cemitério pobre já estava lotado de covas rasas de tanta criança que morria. Era uma cruzinha de tábua ao lado da outra, sem tinta, sem data, sem nome. Sabiam que eram de gente miúda, pelo tamanho do montinho. 

E veio vindo aquela doença dentro de um vento endiabrado em direção do barraco da Lindaura. Entrou pelas frestas aquele ar envenenado, que só foi embora depois que acabou com a vida de toda aquela criançada. 

Ela nem chorou naquele enterro coletivo. Até pareceu aliviada. 

De volta para o casebre, a Lindaura acariciou a barriga grande, pronta para expelir outra desgraçada, e disse: “ - agora vamos fazer a coisa certa. Com menos gente em casa, você nunca vai passar fome.” 

Juntou um caramelo que se derretia no chão, deu um sorriso sem graça, e engoliu aquela meleca, com formiga e tudo.

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