quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A FERA

Uma vez eu tive uma namorada que se transformava, não em outra pessoa, mas em fera. Assim, de um instante para o outro, meio que do nada, sem um motivo aparente, como que obedecendo uma ordem diabólica, acatando um chamamento maligno , ou incorporando um espírito sofredor, a mulher se modificava. O seu rosto endurecia, os lábios empalideciam, os olhos cor de brasa lançavam faíscas, as sobrancelhas encrespavam, os cabelos se arrepiavam, a testa se enrugava, o queixo tremia, a pele do corpo se avermelhava, e da boca saia uma voz como se fosse o demônio gritando. 

Enchia o peito, erguia os ombros, levantava o pescoço que engrossava, e se armava de vassoura, rodo, faca e garfo e partia para cima de mim, braba como uma onça, com os dentes cobertos de espuma, querendo porque querendo, acabar com a vida que me restava. 

Eu recuava até uma parede, e ali, acuado diante daquele ser enfurecido que me caçava, não sabia o que fazer. Ela parava na minha frente e queria ouvir o que eu não tinha para dizer e prometia vingança e ameaçava de morte a mim e todos aqueles que tivessem o meu sangue. 

Depois passava aquela crise, e a fera se acalmava e queria abraços, beijos e esforços físicos de amor. E lá ia eu cumprir essas tarefas. Diante daquele perigo constante, até que eu as cumpria com eficiência. 

Aconteceu que com o tempo foram piorando os acessos de fúria da mulher. Já não ficavam apenas nas ameaças. Aquelas vassouras começaram a cair com força sobre a minha cabeça. O garfo passava raspando a minha barriga. A faca zunia no meu ouvido. O rodo quase entrava no meu peito. 

Já estava com receio de passar a noite com a onça. Comecei a dormir de bruços para proteger de um possível ataque terrorista, as partes do meu corpo que eu ainda tanto precisava. 

Tinha medo, ah isso eu tinha, que um golpe traiçoeiro, no meio do sono, me estragasse para o resto da vida. 

E quando ela brigava, a vizinhança ouvia os berros selvagens da fera. Deviam pensar que eu era um monstro, um safado ou um grande covarde. Que ela fosse maluca, histérica ou endemoninhada, isso, de certeza não pensavam. A mulher desse tipo leva vantagem nessa hora. E disso ela sabia muito bem se aproveitar. E eu cada vez mais encolhido. Envergonhado, não mais olhava o rosto dos moradores do prédio. 

O interessante é que ela criava estas cenas, as levava próximo ao extremo, para logo após ficar frágil, dengosa, tirar a roupa e pedir amor. Em que coisa mais estranha eu estava metido. O pior, é que já estava me acostumando com a onça, leoa, serpente, ou fosse lá o que fosse aquilo, quando, custasse quanto custasse, resolvi abandonar aquela selva, antes que eu me viciasse com aquela forma exótica de excitação sexual da parte dela. 

Certo dia, após uma investida muito forte, que nem quero lembrar, peguei minhas roupas e livros e uns textos em andamento, atirei dentro do carro e me fui sem rumo para bem longe; outra cidade, melhor dizendo. 

Depois saí do hotel e fui jantar. No restaurante, em uma mesa próxima da minha, uma mulher furiosa, com cara de bicho do mato, xingava um homem aos berros, urrando ameaças com toda espécie conhecida de palavrões. Me deu um tremor no corpo. Baixei a cabeça para não olhar. Senti vergonha por ele e por mim também. Devia, ela, ser da mesma raça daquela que eu tinha; dessas que de vez em quando surgem na vida da gente. Que fabricam espalhafatosos momentos de guerra, para depois fazer amor. Ativistas radicais que são, da ideia, que o melhor sexo acontece no entrevero da reconciliação. 

Já que estou no assunto, devo dizer que, não sei se por simples azar, propensão ou praga rogada, o fato é que em seguida conheci mais uma destas feras endiabradas, e depois mais outra, e depois... bem, melhor deixar para lá. Deixemos de lado estas outras histórias. Elas que esperem outra ocasião. Mas o certo é que, desta maneira, por repetição, me tornei especialista, também, em mulheres deste feitio. Tanto é que ando pensando seriamente em fundar uma associação, uma ONG talvez, sobre o assunto. Uma organização que trate da prevenção e de que maneira as vítimas devem lidar com essas delicadas situações. A demanda, neste segmento está crescendo assustadoramente. A organização, que se chamará AHVME (Associação dos Homens Vítimas das Mulheres Endiabradas), terá a finalidade de fazer um equilíbrio com a Lei Maria da Penha, e funcionará dentro da garantia de absoluto sigilo e anonimato. A ideia, é no futuro pressionar o Congresso Nacional e criar lei específica para esses casos. 

Agora, voltando ao casal do restaurante. Passados não mais de cinco minutos do fim das agressões verbais vindas da mulher, estavam abraçados, aos beijos, contentes, trocando carinhos e assoprando aos cochichos, palavras quentes, cada um no ouvido do outro. 

Credo! Conheço muito bem este tipo de encrenca, pensei. Nisso ela foi ao banheiro. Levantei para ir embora, e não resisti a tentação. Parei diante do sujeito e perguntei: “ - ela já chegou na fase da faca e do garfo, do rodo e das vassouradas?” 

Ele, com a força moral enfraquecida, me olhou meio abobado, surpreso, parecendo não saber do que eu estava falando. 

“ - Então te prepara, meu velho. Porque o bicho vai pegar! Que esta doença é progressiva!” - Falei.

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