sexta-feira, 26 de julho de 2013

CAIM E ABEL

“ - Os homens são todos iguais. O que os diferencia é a maneira como praticam as suas crueldades; o ânimo oculto, porém feroz, que usam para atingir os seus objetivos. Os interesses pessoais são poderosas armas de guerra. A vida é um campo de batalha formado por exércitos de homens solitários. Somos bilhões de indivíduos lutando por ambições várias; de poder, de glória, de riqueza, de posição social; desde um prato de comida para saciar a fome, a mais elevada projeção de fama. Fera é o que somos. Invejamos do outro, a casa, o automóvel, a profissão, a família, a felicidade, a inteligência, o talento. E cobiçamos esses bens e dons, e destruímos honras e vidas por eles. É quando se instala o ciúme patológico que envenena a alma, que leva o coração humano para as trevas, que turva os olhos e transforma o homem num bandido. E vai se esforçar ao máximo este homem, para derrubar aquele que enxerga diante de si mais afortunado, começando o ataque com as balas quentes da calúnia, da injúria, da difamação; mentiras, intrigas e traições. Depois, mais adiante, ainda insatisfeito, dentro de um plano sórdido, vai em busca dos meios finais para o completo aniquilamento do seu semelhante, aquele, o alvo da sua mesquinha tentação. Está lá, no livro de Gênesis 4,8, que trata do primeiro homicídio...” 

Este é um trecho da carta que o Vicente deixou sobre os corpos, confessando a autoria daquela tragédia, antes de retirar-se em fuga, para tornar-se um miserável, estranho e maldito peregrino sobre a terra. 

O Inácio se fez na vida por suas próprias forças, sem apadrinhamentos, abaixo de indizíveis sacrifícios. De família humilde acreditou que os estudos salvariam sua vida. Trabalhou como auxiliar no departamento jurídico de uma grande empresa multinacional. A seguir, pelo talento demostrado subiu; quando ainda muito jovem, tornou-se chefe deste importante setor. 

Rapidamente adquiriu renome e reconhecimento em sua profissão. Seu nome ecoava pelos quatro ventos no meio jurídico e empresarial. Casou-se e teve dois filhos que dava gosto de ver, pela vivacidade que demonstravam. Também, o Inácio presenteou seus pais com uma casa confortável, onde foi morar com eles, seu irmão mais velho, o Vicente, que da vida, além de farrear e dormir, nada mais desejava. Sequer o curso de direito patrocinado pelo Inácio, concluiu. Mas despertava algum interesse nas pessoas por uma certa inteligência que por vezes lhe visitava. Porém, uma inteligência xucra, dispersa, sem aplicação, inútil. 

O Vicente se remordia de ciúmes pelo êxito do irmão. A inveja cresceu, transformou-se num monstro e virou doença. E a doença sentiu sede de sangue. E pronto para ser bandido esperou a chegada de uma data especial que se aproximava para executar o intento diabólico que incendiava na sua alma. 

Natal de 1991, se não me engano, no apartamento de cobertura do Inácio, a família estava toda reunida. Pai, mãe. Inácio, a mulher e os dois filhos; uma pequena dupla de anjinhos, donas das melhores esperanças que um casal pode desejar. Todos esperando a meia-noite para a tradicional ceia e a tão esperada troca de presentes. Menos o Vicente, que ainda não havia chegado. 

Conversavam, agradeciam e comemoravam a vida feliz que levavam, graças a ascensão pessoal e profissional do Inácio. Os tempos duros haviam, definitivamente ficado para trás. 

Os foguetes espocavam no ar, os fogos de artifício iluminavam o céu fazendo desenhos multicoloridos e os espíritos se aconchegavam em festa pelo belo momento que se aproximava. 

Toca o interfone, depois a campainha. Entra o Vicente com semblante de inimigo, que de imediato fecha a porta com violência, saca a pistola da cintura e atira no Inácio e na sua mulher, que foram recebê-lo. Após, avança sobre o seu pai e a mãe e os abate no meio da sala. A seguir liquida os dois meninos, um com seis e o outro com quatro anos. 

Senta no sofá, abre um espumante, permanece com os olhos endurecidos, observando o estrago feito. 

Passou mais um pedaço da noite comendo e bebendo enquanto posicionava os corpos, sentados um ao lado do outro, como se os ajeitasse para uma pose à ser fotografada. Colocou os braços dos mortos de maneira que ficassem abraçados, e as duas crianças, deitou uma no colo do pai, a outra no colo da mãe, como se dormissem protegidas. 

Olhou ao redor da base do pinheirinho e viu além de tantos, seis pacotes com o nome “Vicente”, escrito com letra bonita. Deixou-os onde estavam, deu de mão num papel e escreveu a carta de confissão. Abriu a porta para sumir no mundo. 

Após ler a carta deixada pelo Vicente, e diante daquela cena de horror, a delegada de polícia falou para um policial ao seu lado: “ - a vida, por vezes, insatisfeita com as dificuldades que apresenta, meio que ciumenta da arte, resolve superar a ficção. Desta vez, esse Caim não se contentou apenas com a morte deste Abel. Conseguiu ser mais cruel do que o outro; aquele das escrituras!

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