quinta-feira, 18 de julho de 2013

A VIRGINDADE DA CORINHA

Disse por cima do muro para vizinha: é muito passado esse moço que namora a minha filha. Deixa a conversa de lado para ficar mexendo nas tetas da guria. E o danado não se contenta por ali: apalpa, revira, mexe e remexe em tudo que está guardado. Levanta a saia dela, passa a mão por baixo, como se estivesse conferindo o interior de um baú que esconde precioso tesouro. Depois cheira as pontas dos dedos, o relaxado. 

Continuou a dona Cacilda: se ele não fosse oficial do exército, proibiria esse namoro. Não teria mais noivado nem casamento. Mas bom partido que é, até tolero essas bandalheiras. Pensando bem, não é por mal que age assim. Isso deve ser coisa de rapaz que veio da cidade grande. Lá os costumes são mais adiantados, é onde tudo acontece primeiro. As novidades demoram para chegar por aqui. Dizem que é lá na capital onde fabricam a modernidade. Só pode ser isso! 

Sabe vizinha, é tão avançado esse rapaz, que outro dia surpreendi os dois deitados no sofá. Um horror! Tão inocente a coitadinha e já passando por essa vergonheira toda. E eu sei que não posso atrapalhar esse namoro, porque tenente é tenente, com uma vida de promoções pela frente. Vai que um dia chegue a general. Nossa Senhora do Céu terá então, escutando as minhas preces. Enfim, a minha filha estará feita na vida. É como acertar na loteria! Dessa forma, deixo, me faço que não vejo, que não me importo. Se for para o bem do futuro da Corinha até de cega eu me faço, porque essa guria precisa casar logo, já está com 25 anos; depois fica encalhada, para titia, a pobrezinha! 

Mas que ela não engravide antes do casamento! Isso não! Imagina o falatório dessa gente fofoqueira. Irão dizer que eu não soube educar a minha filha. E as irmãs do falecido então: cruzes, nem é bom pensar. São capazes de me crucificar, de me enterrar viva, aquelas megeras. 

Já falei para a Corinha ter muito juízo. Nada de muitos avanços. Nada de muita exploração nesse campo tão perigoso. Mexer nas partes até pode deixar; mas um pouquinho só, bem de vez em quando, o suficiente apenas para acender a vontade nele, mas aquela intimidade bem íntima mesmo, de jeito nenhum. Só depois do casamento. É preciso sabedoria, vizinha, uma estratégia de guerra, para manter por perto, sem espantar um pretendente desse quilate. 

Sempre digo para a Corinha: uma mulher para casar não pode facilitar as coisas, não pode ficar falada; não pode ceder aos caprichos e vontades do namorado e do noivo também. Uma moça honesta leva a virgindade para o altar, como se fosse um troféu à ser oferecido para o marido. É a caça que mais interessa para esse caçador. Se inventar de perdê-la antes de casar, o sujeito usufrui um pouco e depois vai embora, e a mulher vai ficar por aí, perdida, desfrutada. Depois, os outros homens só vão querer se aproveitar da infeliz, e casamento que é bom, nunca mais, adeus. A Corinha sabe que é a virgindade, e apenas ela, o passaporte que pode levar uma moça para uma vida honrada, familiar e feliz. Sem ela, nada feito. Namoro sério, sem virgindade, só se for de mudança para a capital. 

Eu queria mesmo era que a Corinha casasse com um filho de fazendeiro. Mas como esse nunca apareceu, vai um tenente mesmo, afinal, têm muito futuro esses moços oficiais recém saídos das Agulhas Negras. 

Agora, cá entre nós, vizinha, como é bom esses agarramentos. Depois que o Dioclécio faleceu, vivo na seca, só lembrando de tudo que ele fazia. Me dá uma saudade que chego a tremer por dentro. Me corre umas águas que nem sei de onde vêm. 

Vizinha de deus, tenho que falar, a Corinha é uma moça muito responsável. Sabe onde quer chegar. Segura com determinação aquela vontade. Se morde pelos cantos da casa, perde o sono, se revira na cama, perde o apetite, tem tremores e calafrios, suores e febre alta; sofre a coitadinha, mas não cede os pontos. Ela sabe que o futuro dela depende da sua virgindade, que deve ficar presa e bem guardada; protegida em segurança máxima, com as pernas bem grudadas uma na outra. No mais, a minha menina faz promessa para o Santo Antônio, e fica na sua cadeira de balanço, bordando lençóis, fronhas, colchas e guardanapos; preparando o enxoval, entortando a agulha, perdendo temperatura. 

Essa conversa da dona Cacilda com a sua vizinha aconteceu um mês antes da Corinha ter sido arrastada para uns matos, para ser estuprada por um caboclo que passava pela cidade. 

O tenente nunca mais apareceu.

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