quinta-feira, 18 de julho de 2013

DESEJOS, LEMBRANÇAS E SONHOS

Noite dessas sonhei com um momento da minha infância. Através deste fenômeno maravilhoso, o tempo andou para trás e fui ser criança outra vez. 

E lá estava eu de calças curtas cortando os campos a galope montado no meu cavalo Estrela, numa amorosa parceria. E o cachorrinho Brinquedo, branco como um novelo de nuvem, correndo atrás, querendo nos acompanhar. 

Depois, entrei no meu Rio Irapuá e nadei nas suas águas cristalinas. E no sonho eu não apenas nadava. O meu corpo deitado sobre a água, semelhante a um pequeno barco a motor, deslizava veloz na superfície, que descia mansa rumo ao Jacuí. Assim percorri as margens, as prainhas, os pesqueiros e os recantos que tão bem conheci quando ainda era menino. Que bela sensação senti. Que alegria, que vivência de liberdade o sonho me devolveu. 

Antes de acordar, ainda absorvido pela viagem onírica, pedi para o sonho que ele não acabasse. Que eu nunca mais saísse de dentro dele. 

Mas, como sempre acontece após um sonho bom, quando acordei, me bateu uma tristeza, e fiquei na cama de olhos fechados, dando continuação com a lembrança, naquele período doce da minha vida. Da natureza intocada, das matas que costeavam o rio e as lagoas, onde as aves de porte e os passarinhos, junto com todos os outros animais viviam sossegados. Fiquei triste de lembrar daqueles campos; um infinito oceano verde coberto pelo céu azul, que mais azul nunca mais vi, e nunca mais reencontrei. 

Ainda de olhos fechados recordei das brincadeiras, dos jogos de bola, o movimento do gado, da escola rural, dos colegas; das meninas e dos meninos. Dos causos de galpão, das frutas do arvoredo, do medo de assombração; dos desejos todos que eu tinha. E feliz, me lembrei da vontade de crescer logo, para namorar pela primeira vez. 

Deitado, e querendo sonhar de novo, senti na boca o sabor dos doces que a minha vó fazia num velho tacho cigano. Consegui encontrar novamente com a minha mãe, jovem ainda e muito bonita. E enxerguei nós dois estirados, um ao lado do outro, cada um com o queixo apoiado na concha da mão, sobre um acolchoado no assoalho da sala, quando ela, com paciência e zelo, lia as histórias dos livros para mim. De onde teriam vindo tão grandes e inesquecíveis momentos, se não saídos das doçuras do amor? A minha mãe lendo e eu viajando com a imaginação, junto com os personagens do Lobato, nas aventuras do Júlio Verne e nos sonetos do Alceu Wamosy e os do Bilac, este o poeta preferido dela. Mais os lugares distantes e exóticos que visitávamos, retratados nas belas fotos e reportagens que a revista O Cruzeiro trazia. Nós ali fabricando sonhos, quando eu, e acho que a minha mãe também, nem imaginávamos da importância que aqueles momentos teriam na minha vida. 

Não quis abrir os olhos. Aquela viagem iniciada pelo sonho daquela noite, e depois perseguida pela memória, não podia terminar. Então, recordei do meu pai escutando no antigo rádio de válvulas, os tangos vindos da Argentina, os noticiários e os jogos de futebol. E eu, inocente, imaginava que todas aquelas vozes de todos os que cantavam e falavam, vinham de pessoas em miniatura que viviam dentro do aparelho, mais os jogadores, que de certeza, por lá habitavam. Lembrei do dia que perguntei para ele, intrigado: “ - pai, como é que cabe tanta gente dentro deste rádio?” 

Após essa última lembrança, tive que abrir os olhos e sair da cama, porque a realidade estava muito apressada e ordenou que eu reagisse. 

Depois que terminou a minha infância viemos para a capital, para a gente estudar. Bem, aí começou outra vida, com outras descobertas; novos encantamentos, rios de surpresas, que não servem para este momento. 

Mas, sempre que olho para trás sinto ciúme daquele período. Uma nostalgia pelo paraíso perdido. Agora, já tanto tempo passado, quando revisto a minha infância, em silêncio, quase suplicante, peço para aquele menino que fui: “ - ei guri! Me dá uma mordida do teu doce. Me dá um gole da tua água. Me dá um pedaço do teu abraço e sorri para mim outra vez. Me dá um pouco dos teus sonhos e vem brincar um instante comigo. Um instantinho só, que eu já fico morrendo de contentamento.” 

E insisto nos pedidos, para que ele me ajude a encontrar tudo aquilo que ele tanto desejou, porque já é fácil eu me perder, e abstraído não sei onde procurar. Mergulho tão fundo nos afazeres da escrita, que me atrapalho com as coisas simples e a minha vida se desgoverna. 

Então, peço que ele nunca me abandone, e que não esqueça de me presentear, de quando em quando, com algumas gotas perfumadas, da sua alma tão querida. 

E se o menino da minha infância, não ficar ofendido por tantas solicitações, ainda lhe peço, que continue me trazendo, também, enquanto durmo, esses pedacinhos coloridos de vida, esses retalhos mágicos de lembranças daquela época tão boa de ter sido vivida. 

Assim sendo, não morreremos, e viveremos um no outro. Ele sobrevivendo em mim, e eu não permitindo que ele morra. 

Enfim, seremos um só!

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