terça-feira, 2 de julho de 2013

A REUNIÃO DE CONDOMÍNIO

Naquele início de noite, com a presença dos mesmos moradores de sempre, a assembléia, como das vezes anteriores, começou uma hora e dezessete minutos de atraso, por conta das inevitáveis conversas banais, prática exigida, usada e abusada nos reencontros e eventos sociais. 

Comparecer nas reuniões do condomínio era um ato sagrado, uma obrigação inadiável para aquele grupo de pessoas; todos já entrados de corpo e alma no inverno da existência. Era um ritual imperdível, que não podia ser quebrado. Aquela breve convivência possuía o efeito de um remédio em suas vidas, já que trazia uma quebra na rotina do cotidiano comezinho em que viviam. 

A dona Zizinha,a síndica, pertencia àquela espécie de senhoras enérgicas, porém tolerantes com as novidades paridas pelo progresso, além de possuir o tato político de acomodar as situações, por mais conflitantes que fossem. 

Já o Dom Tibério, o subsíndico, fazia o tipo linha dura de capitão reformado do exército, mas seguidor da arte de não mexer muito nos incômodos, para deixar intactos, sem arriscar, os interesses adquiridos. E a Bibi, professora de literatura aposentada, boêmia incorrigível, ferrenha defensora da ideia da presença de extraterrestres entre nós, e eficiente em anotar na ata, tudo que se passava nas sessões, letra por letra, palavra por palavra, frase por frase. Nada lhe escapava. Desempenhava com orgulho e capricho o papel de secretária. 

Após a abertura dos trabalhos no salão de festas do antigo e tradicional prédio do centro da capital, veio à tona aquela velha e costumeira maçaroca de reivindicações, queixas e protestos, que brotavam nas bocas dos enfezados condôminos. 

A dona Candinha do 6ª andar reclamou da infiltração no seu apartamento, causada pelo encanamento do banheiro do 723. A dona Zica do 8º disse que não suportava mais a feiúra daquela pintura horrível da fachada do prédio, mais as pichações nas paredes do 7º andar. O seu Filomeno falou da goteira na garagem que estava manchando o teto do seu carro. O seu Zacarias disse que era uma pouca vergonha o porteiro assistir TV o dia inteiro, e cochilar atrás do balcão da portaria. O seu Afrânio alegou que as escadas estavam sujas, e que a faxineira nem varrer direito sabia. E que o valor do condomínio estava muto alto, para o pouco investimento no prédio. Que aquilo era uma safadeza. Que pagavam caro e não obtinham retorno. Que o condomínio estava igual ao país, quando os impostos não beneficiam os contribuintes, indo parar direto no bolso desta cambada de corruptos e ladrões. 

E a Bibi anotando tudo que ouvia, tirando fumaça da ponta da caneta. 

Foi então que a coisa esquentou! 

O Arruda, ex-deputado federal, sujeito discreto, solteirão, sem filhos, que diziam ser uma bichona enrustida, se queixou do barulho durante a noite, dos saltinhos finos dos sapatos da vizinha do 734, que faziam tóc-tóc, lá dentro da sua cabeça. Que iria matar aquela desgraçada. 

O Santoro do 727, jornalista aposentado, comunista de martelo e foice na testa, Marx no discurso e boina do Che na cabeça, que só queria ficar bem longe daquela gente reacionária, protestou dos sacos de lixo no corredor do 7º andar, que o seu Afonso do 731, já caduco, esquecia no lado de fora da porta. Entrou, falou rápido e se foi porta afora. 

Aí foi quando os moradores do 6º e do 8º se queixaram do pessoal do 7º andar. Liderando o movimento e falando por eles, o seu Ambrósio, dono de uma estância na fronteira, ficou de pé acompanhado por sua esposa, a dona Firmina, que não tinha boca para nada, quando passou a citar a lista de reclamações: a moça do 722 que recebe visitas masculinas remuneradas, quatro a cinco por dia; uma barbaridade. A lésbica da Vanuska do 728 com sua coleção de namoradas; uma afronta. O Edinho, o gay do 724, com seus rapazinhos; uma vergonha. A doida do 721 que grita sem parar que vai se atirar pela janela; uma loucura. O baterista do 725 que bate dia e noite naquela lataria dos diabos; uma falta de respeito. As festas madrugada a dentro do Juca, do 733; um horror. Os urros e gemidos histéricos quando transam, e como transam, o casal do 726; uma obscenidade, uma indecência. Aquele desafinado metido a cantor de ópera do 720; uma agressão para os ouvidos. A vizinha do 729 que lava roupas e panelas de madrugada; uma tortura . Os cachorros da dona Chiquinha do 730, que latem desesperados; um suplício. O seu Joaquim do 735 que não paga o condomínio há mais de dois anos; um caloteiro safado. 

Para concluir o rol de queixumes, o seu Ambrósio, com o apoio da esposa, a Dona Formina, que sacudia afirmativamente a cabeça sem parar, pediu em tom grave, com o dedo indicador em riste e o rosto vermelho de raiva, que o 7º andar fosse banido do prédio. Que o 7º andar era um caso de polícia. Um hospício, um gueto, que não mais deveria pertencer ao edifício. Exigiu em tom solene, que o 7º andar fosse definitivamente excluído do prédio. E frisou com tintas bem fortes que aquelas queixas eram muito antigas e que já estava cansado de tocar nesse assunto em todas as reuniões. 

Por fim, a dona Maricota, uma ex-bailarina com um passado muito suspeito, pediu que o guri do 732, filho do Mourão, conhecido veterano de um time de futebol local, agora contrabandista de uísque, parasse de tocar aquela maldita vuvuzela, toda vez que assistia um gol, de qualquer time, na televisão. 

Ainda, a dona Leucádia, dada aos estudos das coisas do vaticano, divorciada de um prefeito de uma cidadezinha do interior, cassado por compra de votos e corrupção, sugeriu que o condomínio comprasse vacinas para serem aplicadas no Edinho e na lésbica da Vanuska, já que ouvira falar na tal da cura gay. 

E encerrando a lista de denúncias, lembrou que as câmaras de vigilância não estavam funcionando, e que um dos elevadores vivia no conserto, e que, de certeza, haviam sido danificados pelos habitantes daquele outro mundo que fica no 7º andar. 

Terminada a reunião, a Dona Zizinha, como sempre, foi até a geladeira e trouxe, com a ajuda da Bibi, doze garrafas de vinho, cervejas, refrigerantes e salgadinhos sortidos, mais um bolo coberto de apetitoso glacê. Beberam, comeram, falaram outros assuntos da vida antiga, e deram gostosas risadas. E comemoraram dizendo, de como era bom morarem num prédio tão bem localizado, pertinho de tudo, principalmente das farmácias e do hospital. 

Depois foram saindo alegres e satisfeitos para os seus apartamentos, como se acusações greves não tivessem sido feitas. Não sem antes abraçarem e elogiarem a síndica, a dona Zizinha, pela sábia condução dos trabalhos daquela noite. 

Até esqueceram do pessoal do 7º andar. Pelo menos até a próxima reunião.

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