quinta-feira, 18 de julho de 2013

SENHORA

Ah, senhora, deusa dos meus sonhos, por que sempre me olhas com esses olhos mundanos, lotados de tantos desejos guardados? Por que, quando passas por mim mordes o lábio inferior e lambes a boca com a pontinha da língua? Por que senhora? Por quê? Saiba, que por sua causa não consigo mais dormir. Fico deitado no escuro de olhos abertos, pensando no seu corpo, na sua boca, na pontinha da sua língua; em toda a sua perfumada intimidade. Fico delirando, com febre até, que estamos encerrados no seu quarto, sobre os lençóis macios, que imagino que usas. Aí surge o seu marido nos meus devaneios, enfiado naquela farda verde, com o rosto endurecido, brabo, mais aquelas temíveis estrelas de capitão. Então, esfriam todas as minhas ambições. 

Oh, senhora, se ele imaginasse tudo o que me passa pela cabeça! O capitão me mataria se lesse os meus pensamentos. Ele me mataria! Mas também lhe mataria se visse como a senhora fica quando passa por mim. Mataria nós dois, aquele monstro insensível, que desconhece o íntimo significado da palavra, desejo. 

Para ser bem sincero, senhora, já ensaiei mil vezes; mais, muito mais, um milhão de vezes, um jeito, uma frase, uma única palavra, para lhe dizer. Mas acontece que quando chega a hora, me vem um medo, uma timidez, um acanhamento; fico mudo e passo reto, só olhando para toda a sua formosura, principalmente para os seus lábios e a pontinha da sua língua cor-de-rosa, que me dá uma vontade de mordê-la, de engolir aquele pedacinho. E depois vou para casa sonhar, trancado no banheiro. Minha mãe grita, sacode a maçaneta, fica intrigada com a minha demora, que desconfio que ela já descobriu qual o motivo, porque quando abro a porta, estou branquinho, pálido, quase transparente, com olheiras denunciadoras dos meus atos secretos, de pura homenagem para a senhora. 

Esqueça das leis, senhora, dos seus temores, e parta para a ação. Tenha a iniciativa e venha falar comigo e tome posse de mim. Afinal, a senhora já tem 30 anos e eu só 14, que se completam em agosto, daqui a dois meses, portanto. 

Então venha, já que é a senhora quem entende dessas coisas. Eu, eu apenas imagino como se faz, porque fazer fazendo mesmo, quem sabe é a senhora. Venha, me pegue pela mão, me convide para passear, me faça entrar no seu quarto e me ensine um pouquinho de tudo aquilo que a senhora conhece. Me forneça, por favor me forneça, apenas uma gota da experiência que és dona. 

Se a senhora sair uma vez só, só uma vez comigo, nem pecado vai ser. Porque estará apenas ensinando os segredos do amor, para um inocente menino, ainda analfabeto na linguagem muda, aquela que acontece, quando os corpos de uma mulher e de um homem, se encontram para valer. E que agora preciso desesperadamente aprender. Como será nobre de sua parte, tão grande gesto. Até os céus, com todos os seus habitantes lhe aplaudirão. 

Imploro de joelhos: me tire deste sonho, que já não é mais sonho. Que é um doloroso pensamento que só me machuca, me consome e me faz sofrer. E, eu sei também, pelos seus modos, que a senhora vive sonhando em me ensinar. 

Coragem senhora! Venha! Senão, na próxima vez que passar por mim, aqui na nossa rua, juro que vou me animar de verdade, e vou parar na sua frente, juro que vou, e perguntarei olhando nos seus olhos, morrendo de medo e vergonha: “ - vamos?” E sei de certeza, que a senhora, que está muito necessitada em ser minha professora, neste dia, dirá: “ - vamos logo, menino bonito!” 

E por este dia que nunca chega, morro de ansiedade. E também morro de raiva de mim mesmo, por ser um fraco covarde, que na hora de convidar a senhora, perde a determinação e não consegue pronunciar esta palavrinha tão fácil de dizer: “vamos?” 

Veja só! Hoje quando acordei, assim do nada, décadas depois, me lembrei disso tudo. E me recordei, tão vivo como se lá estivesse, da senhora sentada na cama do seu quarto, completamente nua, com os seios em pé, desabotoando a minha camisa, baixando a minha calça. E escutei a sua voz repetindo: “ - Agora sim, chegou a nossa hora! Vem cá meu amorzinho!” E eu tremendo na frente da senhora, sem saber o que fazer, nem por onde começar. E lembrei com doçura na alma, das suas mãos macias e dos seus lábios quentes e úmidos, desfilando habilidosos pelo meu corpo, que inquieto pulsava em contrações, vibrando com os impulsos provocados naquela deliciosa atividade. E a senhora, a dona da situação, transformou-se numa graciosa bailarina, que através de movimentos precisos, dava a cadência exata para aquele secreto bailado. 

E tudo isso porquê, no meio de uma tarde ensolarada, a senhora criou coragem e parou diante mim e mordeu outra vez o lábio inferior e lambeu a boca com a pontinha da língua e me disse baixinho, gostoso de ouvir: “ - vamos, meu menino?” 

Nunca ninguém teve; só eu tive uma professora tão bonita e tão dedicada quanto a senhora, naquelas aulas que muito frequentei, e tão assíduo que fui. 

E também me veio na memória, a tristeza que notei, vermelha no seu rosto, e que senti, fervendo no meu, do momento em que a senhora foi de mudança para o Rio de Janeiro. Pois que inventou, o insensível do seu esposo, dono de uma alma de pedra, de aceitar transferir-se para tão longe. Dessa forma, quase me matou aquele capitão. Pensei em desaparecer do mundo. 

Assim, com o coração arrebentado, daquele dia em diante, odiei para sempre esse pessoal que anda fardado de verde. Eles que são propensos a esses inesperados deslocamentos; quando desumanos, a sangue frio e sem consentimento, levam embora os amores da gente. 

Porque, deveria haver pena de morte para o desalmado, que parte em retirada, com a namorada de um menino apaixonado!

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