quinta-feira, 18 de julho de 2013

CAMILE

Tal qual as últimas tardes de sábado, meio sem jeito, bateu na porta da casa e foi recebido pela Camile. O pai e a mãe se recolheram para o quarto. Sentaram no sofá e ele pode ver outra vez, as pernas douradas, os seios empinados, o rosto rosado e a boca vermelha que devia ter gosto de pitanga madura. E diante daqueles olhos tão azuis, vivos e úmidos, não de lágrimas, mas de umas águas que atiravam os seus pensamentos rio adentro; nas águas de todos os rios, mares e oceanos do mundo, que afogam e lavam as ânsias, as aflições e as repugnâncias; que purificam das impurezas os corpos sujos de culpadas orgias; que apagam e iluminam as esperanças; que matam e trazem a vida; que modificam o estado íntimo das almas, pensou: - ando atrás de ti Camile. Sempre na tua busca, sempre te procurando, coração meu! 

E a Camile provocante, com minúscula saia que muito pouco escondia mostrou a calcinha transparente; véu dos hereges que deixava ver os contornos e a viva cor do templo de cobiça e adoração dos pecadores, daqueles que não buscam perdão. Exibiu, com os joelhos levemente afastados, o endereço que abriga a fenda sagrada que movimenta o mundo. O poderoso cofre que arrecada bilhões dos profanos e daqueles que já nasceram santos. Te queremos para viver e para morrer. Por ti trabalhamos, sofremos; lutamos e competimos. Em teu nome perdemos e vencemos batalhas, e em ti nos deleitamos. Por ti matamos; por ti morremos. Oh, Camile! Oh, mimosa flor! 

Quase afogou-se nas ondas daquelas águas. Nadava em sonhos delirantes, naqueles desejos malvados não satisfeitos, que jamais se acalmariam. E nada fazia. Não agia. Apenas olhava e pensava: “ - se não morri ainda, porque não me matas logo para me salvar, para me libertar dessa escravidão, Camile?” 

Mata-me logo, Camile! Já nem preciso entrar em tuas águas; nas doces e nas salgadas águas tuas. Basta te olhar, e só. Podes me matar! E sorria aquele sorriso bobo sem ter coragem de ao menos pegar na mão da guria. 

Pensava na sua covardia, mas pensava que havia de morrer antes que aquelas águas chegassem ao seu destino; no rio profundo, imenso, invencível, soberano. Ora, se não dominava, ali, aquelas águas poucas, em formação, quando chegassem no rio e depois no mar - o dono de todas as águas indomáveis -, então, é que nada conseguiria. Quem não navega em águas calmas, não é em rio e oceano revolto, que irá navegar! 

Camile foi até a geladeira, lhe serviu um copo de água, abriu a porta da casa e disse boa-noite; que esta recém chegava. Obediente ele foi embora. Depois, ela trocou de vestidinho, soltou os cabelos, perfumou atrás das orelhinhas, pintou a boca, sorriu para o espelho, e sobre delicadas sandálias prateadas de saltos bem altos sumiu por baixo da lua. 

Se enfraqueceu naquela noite, deitado, solitário, pensando na Camile nua. Na Camile que fervia por dentro de tanta juventude com suas águas recém inauguradas. Ele que não acalmaria sozinho as quenturas da Camile. Ela que parecia pertencer a todos os homens da terra. Ele que seria pouco para a Camile. Disso sabia. Maldita certeza! 

Camile com 19 anos, sempre de vestidinhos novos, bem coloridos, um palmo acima dos joelhos, mostrando os pelinhos macios, fininhos de ouro puro que brotavam nas suas coxas; duas tranças que brilhavam quando o sol aparecia, e um sorriso de boneca marota desenhado naquele rosto encantador, que somado ao conjunto da sua exuberante pessoa, era capaz de destruir juramentos severos, de eterna fidelidade, no mais monogâmico dos homens. 

Todos os dias, logo após o almoço saía de casa bem arrumadinha, com jeito de moça bem comportada, de cabeça baixa sem olhar para ninguém, apertando uns livrinhos contra o peito, mostrando que de noite estudaria, após o seu turno de trabalho. 

E mais vestidinhos novos e umas correntinhas e umas pulseirinhas e uns aneizinhos e uns reloginhos e outras joinhas, tudo sempre amarelinho, bem da cor dos seus pelinhos, e dinheiro de sobra para melhorar as compras da casa. E voltava tarde da noite com a fisionomia cansada, corpo abatido; porque trabalhar e estudar cansa quem estuda e trabalha. 

Seus pais, gente simples e ignorante que vieram tentar a sorte na cidade, se orgulhavam da Camile, que trabalhava e estudava tanto e que se vestia bonita com roupas tão alegres e que já quase sustentava as despesas da família. Bem diferentes das outras mocinhas do bairro pobre onde moravam, que engravidavam adolescentes, de namorados sem futuro, sem passado, sem presente. 

Um dia Camile apareceu dirigindo um automóvel. Pequeno, mas um automóvel. Que inveja a Camile causou na vizinhança. E que satisfação para os pais. 

Todos se perguntavam: “ - como pode, tão rápido a Camile subir tanto na vida?” E também respondiam: “ - vai ver porque é tão bonita!” 

Ele reapareceu. Agora como cliente. Única forma de navegar naquelas águas.

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