sexta-feira, 5 de julho de 2013

A NOIVA DO CAIS

Agora estava envelhecida prematuramente por inesperado desgosto. Judiada! Mas os estivadores mais antigos diziam que ela fora a prostituta mais linda do cais. Uma mulher que por uma desgraça da vida foi parar dentro dos cabarés e bares imundos, frequentados por aquela gente que vivia em volta do porto. 

Chegou naquela região e foi ficando, até que se apaixonou pelo dono de uma pequena embarcação, o Pelicano, que fazia fretes nas águas ali de perto. 

O Pelicano prometeu casamento. Comprou um par de alianças, um vestido de noiva com cauda longa e um terno preto num brechó. E disse, que assim que voltasse daquela viagem, quando levaria uns pescadores até uma traineira em um mar mais afastado, no outro dia casaria com ela; com a sua Gaivotinha, que era como amorosamente passou a chamá-la. Minha Gaivotinha, dizia o Pelicano, depois que a gente casar, você vai morar comigo no meu barco. E nós vamos andar longe, e vamos conhecer todos os lugares distantes, até onde chega este marzão de Deus! 

E foi o Pelicano fazer a dita viagem com os pescadores. Um dia e meio de ida. Depois, retornou ele e o Tainha, o seu velho amigo e ajudante. 

Veio um temporal que trouxe uma onda mais forte, mais uma e mais outra, e cada uma ficando maior do que a outra. E lá, mais longe, vinha se formando uma crescia assustadoramente. Quanto mais se aproximava, muito maior ficava. Já perto deles não era mais uma onda. Era um paredão. Um monstro feito de água com uma crista gigante que dobrava, tal uma língua monstruosa, faminta por destruição. Quando bateu no barco de madeira acabou com tudo. Só restou pedaços do barco boiando naquelas águas enfurecidas. 

O Tainha, por um milagre, juntou forças que não tinha, agarrou-se num pedaço de tábua e ficou olhando o estrago, o céu e o mar. E gritava: - Pelicano! Pelicaaano! Pelicaaaanooo! Sumiu o Pelicano, sepultado naquele mar com raiva de fera. 

Um barco pesqueiro, mais de um dia depois, resgatou o náufrago do Tainha. 

A Gaivotinha quando soube, não chorou só por amor. Chorou ainda por ter perdido o seu sonho mais precioso. O sonho de sair daquela vida nojenta, de ter que vender o seu corpo para aquela gente suja e suada que nem banho tomava. Chorou a Gaivotinha, por ter morrido novamente, naquele sem fim das várias outras vezes, que também se dera por morta. Mas chorou por amor a Gaivotinha. Como chorou a Gaivotinha! 

Colocou o seu vestido de noiva, e agora, muito tempo depois da morte do Pelicano, ainda está lá, pronta para ir até o altar com o seu noivo que não mais apareceu. 

Fica sentada na amurada do cais com o olhar fixo no horizonte, esperando o barquinho que nunca chega, que nunca chega, sempre com o vestido branco sobre outra roupa que usa; que dele só resta uns trapos, não lembrando em nada, que já foi a vestimenta que usaria, no dia mais especial da sua vida. 

Dizem os estivadores que a Gaivotinha ficou muda, distante, fechada para o mundo, e que se alimenta com o que eles, por solidariedade, alcançam para ela. Dizem que se comovem, por ver tanto tempo investido numa espera. 

E afirmam que nunca mais, homem nenhum, por maior que fosse a oferta, conseguiu comprar aquele corpo, que por essas coisas vindas do coração, deixou de ser mercadoria. Que ninguém mais se deitou sobre ela; porque um corpo que reveste uma alma apaixonada e guarda um coração que ama, não aceita ser profanado. Transformou-se num templo sagrado, o corpo da Gaivotinha, depositário das mais íntimas e honradas leis; aquelas que governam, enfeitam e trançam, os verdadeiros laços do amor.

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