quinta-feira, 6 de junho de 2013

A MENINA DA PRAIA

Tarde de muito sol em uma praia de exuberante beleza do nordeste brasileiro. Me ajeito no banco do quiosque e peço água de coco. Olho para os lados, é tudo felicidade. As moças, os rapazes, as famílias, as crianças; todos dentro do paraíso. 

Destoando, se aproxima uma menina de shortinho surrado, olhar morto, vendendo amendoins enrolados em cones feitos de jornal. Quer amendoim, tio? Cinquenta centavos cada. Preso na paisagem, automático, digo não, obrigado. Então, quer fazer um programa? É só 1 real, mais o local. Assustado pergunto: com você?! Ela diz que sim, e que tem um lugarzinho seguro, com ventilador. 

Sem voz, falo baixinho: é mentira. Ela deve estar brincando. Adoeço de estranho mal e me sinto aflito, perplexo, pasmado, como quem recebe uma notícia ruim. Daquele jeito que a gente fica quando está diante de uma tragédia, sem saber o que dizer. Ela por me ver em silêncio, imagina que estou estudando a possibilidade e volta a insistir: vamos tio! É aqui pertinho! 

Pergunto a sua idade: onze, me responde. Vou completar agora em março. Desvio o olhar e vejo as meninas da sua idade junto com os pais, tomando sorvete, chupando picolé, fazendo castelinhos na areia e moldando bichinhos com as irmãzinhas menores, nas forminhas de plástico coloridas. E outras correndo, brincando dentro daquela imaculada inocência que é só delas e de mais ninguém. 

Me dá um arrepio na alma, um pavor no coração. E ela ali, diante de mim esperando ansiosa uma resposta positiva para a sua proposta. Parece um animalzinho domesticado, parada, esperando a miserável recompensa, em troca daquilo que lhe mandaram fazer. Desempenhando o número que lhe coube representar na vida, embaixo desta infinita lona de circo, que julgamos ser a mais bonita que existe. 

Uma mulher adulta quando decide vender o seu corpo, é porque nada mais lhe resta. É a última raspa de alguma coisa que sobrou, daquilo tudo que um dia existiu, e que ainda pode interessar à alguém. Mas uma menina de onze anos, sendo empurrada para esta maldita condição de vida, não é possível. É inaceitável. É repugnante. É revoltante. Esta indignidade seria motivo para uma declaração de guerra, caso fôssemos sérios. 

Fico pensando nas bonecas que aquela pobre menina nunca brincou, nos sonhos que nem sonhou, na escola que não frequentou, nas histórias bonitas que jamais ouviu, nas revistinhas e livrinhos que não leu, na família boa que não teve, nas musiquinhas infantis que não cantou, nas brincadeiras de roda que não participou, no céu do jogo de amarelinha onde nunca chegou, nos conselhos bons que não recebeu, nos presentinhos que não ganhou, no amor que não sentiu. E faço a cruel e inevitável comparação com todas aquelas outras crianças abençoadas, que ao nascerem ganharam de presente, o seu merecido pedaço de jardim. 

Me trancou um caroço de espinho na garganta. Perdi a força no olhar e vi a raça humana fracassar. Sei que todos falharam. Falhamos todos com aquela pequena criatura, que ainda continuava com os olhinhos esperançosos pelas moedas, que sonhava, que poderiam escapar das mãos deste tio. Falharam, sei de certeza, os poderosos todos; os daqui debaixo e os lá de cima. Todos de olhos fechados, omissos, tolerantes, indiferentes, não querendo ver aquela judiaria. Ferida humilhante que ninguém cicatriza. 

Acordo do pesadelo, ponho a mão no bolso, tiro uma nota de 20, compro dez cones de amendoim, e dou os outros 15 de gorjeta para ela. 

A coitadinha me olhou como quem olha para um milagre, deu um sorriso de toda boca, aquele, que só as crianças sabem fazer, e saiu pulando graciosa. A cada meia dúzia de pulinhos olhava para trás e sorria agradecida em minha direção, sem saber, que estava sendo infantil pela primeira vez, naquela porcaria de vida. 

Levantei, andei uns passos meio atônito, sem saber o que fazer, com os cones de amendoim presos nas mãos, quando outra menina, se aproxima e diz: aquela é muito novinha, não sabe fazer nada. Eu já tenho treze, e sei fazer tudo aquilo que um homem gosta! E apontando com o dedo encardido de uma sujeira antiga, afirmou: tem um quartinho com ventilador, ali naquela rua. Falou como se tivesse longa prática no ofício. Sem pensar no gesto, dei de presente para ela aqueles pacotinhos de amendoim. Me fui ligeiro rua afora em direção ao hotel, sem querer ouvir se cobrava, 1, 2 ou 3 reais pelo programa. 

Segui em frente sem vontade de olhar mais ninguém; nem adultos contentes, nem crianças felizes. Só pensando, de cabeça baixa, nas filhas que quase todo mundo tem. Mas prevalecia a imagem daquela desprotegida, sobre todas as outras, que vieram para o lugar e para as pessoas certas. 

E o dia que se fazia bonito, escureceu, fazendo luto fechado na minha alma. 

E me veio uma vergonha, uma raiva, de mim, das pessoas, da humanidade, dos céus, que permitimos que a inocência ficasse pecadora, tal uma delicada flor, igual aquela menina, que por pura crueldade nasceu no meio do lixo, escolhida a dedo, só para enfeitar o pátio do inferno.

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