segunda-feira, 24 de junho de 2013

O DOUTOR E O MENDIGO

Ernesto Panettoni, advogado de renomado escritório, de origem muito humilde, formou-se abaixo de esforço e sacrifício. Posteriormente, adquiriu uma certa tintura de soberba que destoava, como que negando o tosco feitio e a pouca qualidade das madeiras do seu berço. 

Homem vaidoso ao extremo, 40 anos, vistoso, sempre bem vestido com roupas da alta alfaiataria e unhas esmeradamente polidas, caminhava, certo dia, devagar, após o almoço pelo calçadão central da capital. Depois de desembrulhar uma bala de chocolate ao leite, foi jogar o papel do caramelo em local apropriado. Então, aconteceu um pequeno acidente. Junto com o invólucro da guloseima, por má sorte, deslizou do seu dedo anular, a aliança de casamento, para dentro da lata de lixo. 

A pequena lixeira estava lotada até a boca com sobras de papel, embalagens diversas, copos de plástico, garrafinhas de refrigerante, latas de alumínio e toda uma quantia de descartes. 

Por instinto, sua mão voou em direção ao cesto, que trêmula e ruborizada de pudor, logo travou, suspensa no ar. Atinou, que não lhe cairia bem tal gesto. Que seria uma humilhação. Imaginou, que alguém com a sua postura e posição profissional, não podeira enfiar a mão no lixo, nem para o nobre motivo que ali se apresentava. Poderia ser visto fuçando na lixeira, por colegas de profissão; um promotor, um juiz, um desembargador, um vizinho; pior ainda, um cliente. O que iriam pensar? O que iriam dizer? “ - Seria como decretar o fim da minha carreira, “ - pensou o Doutor Panettoni. 

E foi ficando ali por perto, sem atitude, sem saber o que fazer, diante da cesta de lixo. Olhou para cima disfarçando, imaginando uma outra possível saída para aquele imbróglio. 

Se ao menos surgisse algum parente próximo. Aí teria alguém para pedir que catasse a aliança, que o metera naquela vexatória circunstância. 

Se aparecesse uma pessoa humilde, um engraxate que fosse. Até pagaria para ele resgatar a malvada da aliança fugitiva. 

Se a Anita, a sua mulher estivesse com ele, ela gente de origem modesta que era, certamente não teria escrúpulos em proceder a busca. 

Se os filhos... Não! Os filhos não! Os filhos ele não submeteria à tão humilhante situação. Afinal eles não estavam sendo criados para meter as mãos numa lata de lixo, nem que fosse para procurar a aliança de casamento do pai. 

Se a mãe aparecesse..., bem mão é mãe! É capaz de qualquer sacrifício por um filho! 

E se telefonasse para casa e mandasse a empregada vir correndo para socorrê-lo. Descartou de imediato a ideia, por levar muito tempo a operação. 

E se ligasse para o rapaz que faz os serviços externos para o escritório. Lembrou-se que por ser hora de almoço, ele estaria fora, nesse horário. 

O Doutor Panettoni, chegou a cogitar como solução para o problema, abandonar a aliança de casamento ali onde ela estava, entrar numa joalheria e comprar outra novinha em folha. Mas deu por si, que a Anita jamais acreditaria na história. Soaria como uma mentira infantil. Mais uma daquelas desculpas esfarrapadas, muito conhecidas da mulher. 

Todas essas possibilidades passaram com a rapidez de um relâmpago pela cabeça do Ernesto, enquanto ele como um mero dois de paus, permanecia imobilizado na frente da lixeira. E não apareceu ninguém. E o tempo estava passando. Ainda teria que botar os olhos pela última vez no processo de uma audiência marcada para dali a duas horas. 

Esse era o quadro de angústia, de aflição, desenhado por aquele, digamos, pitoresco acontecimento, na mente do nobre causídico. O fato é que, por costuras feitas com linha fraca, no interior da sua pessoa, sofria demais a alma do homem. 

Já estava a ponto de tomar uma decisão, quando nota a aproximação de um mendigo; em andrajos, pés descalços, unhas grossas, encardidas e compridas, viradas para baixo que pareciam garras de bicho; todo sujo e fedorento, como se estivesse apodrecendo, catando tocos de cigarro. O Panettoni olhou para o indigente e viu nele a sua salvação. 

Chamou a criatura e prometeu-lhe polpuda gratificação, pelo resgate da aliança. 

Negócio fechado, o mendigo começou a revirar o interior da lixeira, jogando na calçada todas aquelas sobras. O Dr. Panettoni, embora não colocasse as mãos no serviço, sentia-se envergonhado em estar administrando aquela empreitada, diante do intenso movimento de pessoas que passavam. Alguns paravam e olhavam com estranhamento, aquele homem bem trajado, junto com um mendigo, diante de uma lixeira sendo remexida. 

O Ernesto Panettoni, não se continha, de tanta humilhação que sentia, preocupadíssimo com a sua imagem, embora tivesse terceirizado a atividade.. 

Foi então, que lá no fundo, bem no fundo da lata de lixo, o mendigo encontrou a tal da aliança, e ficou com ela presa na mão, esperando a prometida recompensa. 

O Dr. Ernesto Panetoni, sovina como só ele, e não vendo a hora de escapar daquela cena, retirou do bolso do paletó duas moedinhas e estendeu a mão aberta para o coitado. 

O mendigo olhou com desprezo aquela oferta minguada. E quando viu que seria aquilo e nada mais, de inopino, atirou a aliança de volta para a lixeira, não esquecendo de recolocar, todo o lixo, que dela antes, havia retirado. 

E o mendigo, por não ter sido mendigo a vida toda, entendeu com quem lidava, e saiu andando, olhando para o chão, atrás de uns tocos de cigarro, dando risada do que havia acontecido, e do que ainda iria acontecer, com aquele outro pobre sofredor, que se debatia por problemas, tão fáceis de resolver.

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