quinta-feira, 6 de junho de 2013

LEMBRANÇA DANIFICADA

Noite comum de terça-feira. Na sala de espera do cinema ele viu aquela mulher com fisionomia familiar, que chamou a sua atenção. 

Era uma senhora quarentona, ainda bonita, que trazia na aparência os traços dominantes, bem marcados, da linda jovem que fora. Porém, com o semblante abatido por indisfarçável descontentamento. 

Reconheceu as suas feições e estilo. Aproximou-se dela e perguntou: “ - você não é a Janete?” 

Vinte anos que não se viam. Duas décadas se passaram desde que viveram, por breve período, uma envolvente, fogosa e inesquecível paixão. 

Bem de perto, olhou os olhos, o rosto, o corpo, o sorriso que nela se fez, e bebeu o perfume da mulher, e sentiu desejo por ela novamente. 

“ - Sou!” Disse ela com o olhar maravilhado, pois também o reconhecera. 

Ela o fitou de alto a baixo. Sua face ganhou luz, os olhos secos brilharam, os seios se ergueram vivos, a boca se umedeceu, e mordeu a ponta da língua. Seu corpo em flor madura se abriu inteiro e seus lábios mudos disseram sim. 

“ - E você é o...! Meu Deus. Devo estar sonhando! Não acredito que este momento esteja realmente acontecendo!” 

De uma acumulada saudade antiga, nasceu repentina brisa que acendeu brasa, que se tinha dado por morta. Então, abraçaram-se e beijaram-se com força na frente de todos, que observaram a cena estranhados por inusitada atitude. Afinal, haviam pago ingresso para assistir representações na tela, e não ali, ao vivo, na vida real. 

No caminho ela lhe disse que falava sempre para a sua filha adolescente, do seu primeiro amor. Que mostrava para ela a única fotografia que tiraram juntos, num baile no Gondoleiros. Ainda falou que estava casada há 17 anos, e que seu viver estava sem graça, rotineiro, sem amor; só companheirismo. Que a sua vida sentimental tinha o marasmo da repartição de um órgão público: previsível, enfadonha, burocrática. Assustadoramente sem novidades. E que o seu corpo nunca mais havia tremido de prazer. 

No apartamento dele beberam vinho, lembraram com alegria da época passada, de quando eram tão jovens e morriam esgotados pela constante aplicação nas lidas do amor. Recordaram das promessas feitas que, ariscas, tomaram outro rumo para se cumprirem em outro lugar. E se beijaram, e se beijaram. 

Mas alguma coisa aconteceu naqueles instantes, que afrouxou o entusiamo. Veio um sumiço, um vazio inesperado, um estranhamento que tomou conta; um estorvo que chegou dizendo não. E, por não terem de volta, aquele sentimento que se apagara no meio do tempo, uma agonia implacável, indicava, que não seria como antes. E, não foi em nada parecido, com as intensas e deliciosas outras vezes de antigamente. 

Virgens, vestiram as suas roupas, e ele foi levá-la até o ponto de táxi. 

Beijinhos murchos no rosto; formais, constrangidos, dolorosos. E um adeus sem gosto, decepcionado, tal uma esperada viagem, que de súbito, se vê abortada no momento do embarque. 

De volta ao apartamento, sentou no sofá, encheu a taça com o vinho que restava, e disse em voz alta para si mesmo, olhando para a fotografia da atual namorada sobre a estante: “ - não aprendes nunca, não é seu teimoso?! Que jamais se revisita uma ex-paixão, dona de um corpo que já foi da gente! Agora, danificaste a lembrança!”

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