terça-feira, 18 de junho de 2013

SEXOS PARECIDOS

Noite bonita de uma sexta-feira de verão. Estávamos, os amigos de sempre, reunidos em volta de cervejas geladas e petiscos, conversando animados sobre futebol, mulheres e outros assuntos importantes, tais como política e corrupção; que dá até nojo só de pensar em ter que votar em alguém.

De repente, surgiu na calçada uma moça muito bonita. Loira, esguia, cabelos finos, que macios se erguiam como labaredas no ar. Entra no bar, senta e pede uma cerveja.

Paramos de falar para contemplar aquela mulher, e quem sabe, um de nós, conseguir uma brecha, e ir ter com ela, cavoucando na sorte, a oportunidade, aquela que sempre sonhamos, quando estamos diante de uma fêmea de incomum beleza.

Assim como os demais me assanhei todo. Levantei a cabeça, estufei o peito, cruzei as pernas, ajeitei as mãos e a gola da camisa, fiz o melhor sorriso que tinha, e atirei em direção a ela, um olhar que tudo dizia das intenções que corcoveavam na minha cabeça.

“ - Não vai que é fria!” - Me falou o Mendonça.

“ - Fria? Do que tu estás falando?”

“ - Não é mulher! É um travesti, ou seja lá o outro nome que se dá para uma pessoa assim!”

“ - Fica quieto Mendonça. Não estraga a minha conquista.” - Falei sem perder a pose se conquistador.

“ - É um travecão sim! Mora no mesmo prédio, no mesmo andar, no apartamento ao lado da minha irmã!”

“ - Mendonça. Cala essa boca maldita e não me enche o saco! Como pode alguém, com aquela pele hidratada, com aquela boca sensual, com aquele rosto perfeito, com aquelas orelhinhas delicadas, com aquelas pernas lisas, torneadas e brilhosas, com aqueles pés e mãos delgados, com aqueles ombros femininos; como pode Mendonça alguém com aquele charme, com aqueles lábios úmidos e carnudos e toda aquela graça, ser um homem? Pode parar, Mendonça, travesti, travesti a gente conhece de longe!” - Discursei.

“ - Então tá! Vai lá e confere. Depois me conta e me diz se estou errado! Vai! Vai! Vai!” - Falou com uma estranha segurança.

Fui. Me aproximei, disse o meu nome e perguntei se podia sentar ao seu lado.

“ - Claro!” - me disse sorrindo. Sentei, e a voz dela quando disse aquele “claro”, confirmou que era realmente uma mulher, e mostrou o caráter invejoso do Mendonça, que só queria me atrapalhar. Conversamos com alegria. Me falou que era maquiadora. Que atendia com hora marcada, as principais madames da cidade. Que era muito requisitada, e que quase não lhe sobrava tempo para manter um relacionamento sério.

Abriu a bolsa, me alcançou um cartão de visita que dizia: Kassyany, maquiadora e massagista. Atende elas, eles ou ambos, inclusive em hotéis, motéis, apartamentos, quitinetes, enfim, onde houvesse quatro paredes, lá, ela poderia estar, se contratada.

Senti um frio na barriga, e uma pergunta passou voando no meu pensamento: será que o Mendonça tem razão?

Alegou compromisso, fez sinal para o garçom. Não aceitou que eu pagasse a cerveja, pediu uma carteira de cigarros, abriu a carteira, retirou o cartão de crédito, onde li o nome: Moacir Francisco das Neves.

“ - É seu irmão ou namorado, o Moacir?” - Indaguei.

“ - Segredo. Já que ficamos amigos, faz segredo e não espalha. Eu sou o Moacir. Mas já faz tempo. Agora sou a Kassyany!” - Falou baixinho no meu ouvido.

Antes de levantar, me deu, de surpresa um beijo no rosto, de despedida, e saiu rebolando aquele traseiro de quebrar o pescoço de quem passava, com aquelas pernas longas, reluzentes, e aqueles pezinhos com aqueles dedinhos com falanges, falanginhas e falangetas perfeitas, e unhas rosadas, recém tratadas, dentro de uma sandália de tiras prateadas, de salto fino, que só as deusas podem usar. Mas não esqueceu, ao passar pela nossa mesa, em dar uma insinuante e comprometedora olhada para o Mendonça, que respondeu no mesmo tom.

Voltei para a mesa com meus amigos, que curiosos queriam saber da conversa que eu acabara de ter com aquela mulher.

Fiquei quieto. Não devia falar nada. Aliás, estupefato, nem podia. Olhei rápido para o Mendonça que fingido fez uma expressão de vitória, que dizia: “ - Viste?! Eu não te falei?!”

Não sei porque, mas assim que voltei para a mesa, o Mendonça levantou-se apressado, pagou o que devia, não quis saber do troco, e foi embora, no rumo do caminho feito pela Kassyany.

“ - Tá na hora dele. A mulher do Mendonça é uma fera.” - Disseram os outros.

“ - Muito braba!” - Respondi, “ - Hoje em dia os sexos opostos estão muito parecidos. Só que agora o Mendonça está apaixonado”, - disse assim, meio confuso pelo ocorrido, e ninguém, na hora entendeu o que falei.

Foi quando o Aguiar me avisou, que uma mancha de batom, com o formato de dois lábios havia sido deixada pela moça, tatuada no meu rosto.

Peguei um guardanapo de papel e retirei aquela marca vermelha de um beijo, que naquelas alturas, não faria a menor diferença a sua origem. Se do Moacir ou da Kassyany, fosse de quem fosse a autoria do beijo, não teria a menor importância, já que, a Cecília, mulher legítima, certificada e garantida, acabava de deixar uma mensagem no meu celular. Agora, a verdade tem que ser dita: a tal da Kassyany era impressionante. Um mulherão.

É, com a genética tão evoluída e a tecnologia avançada, mais os costumes que mudaram, está cada vez mais difícil o sujeito se atrapalhar com as aparências das pessoas, trazendo com isso, a imensa dificuldade, em alguns casos, para a gente saber com exatidão, quem é quem, nessas fauna humana tão diversificada, em constante mutação.

Diante de tantas novidades comportamentais, chego até a pensar, que ninguém estranharia, se o Mendonça se separasse da sua esposa, para assumir de uma vez, e ir viver com o Moacir, digo, Kassyany, se é que digo certo; aquela loira espetacular. Aquela sofredora, dona de uma alma feminina, possuidora de um pedaço de homem, que não era para ser seu.

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