terça-feira, 11 de junho de 2013

JACOZINHO, O FILHO DA LAVADEIRA

No colégio, o Jacozinho se apresentava tímido, quieto, cabisbaixo, envergonhado da calça puída nos joelhos, da camisa com remendos nos cotovelos, dos sapatos furados na sola e por estar sempre com aquelas mesmas roupas. E da pastinha colegial de lona amarela encardida, com o fecho que não funcionava. Mas, ele, todos os dias chegava limpinho, de banho tomado, com os cabelos castanhos úmidos, bem penteados, repartidos no lado. 

Na meia hora de intervalo ele não saía da sala de aula. Não comparecia na cantina como todos os demais. Ficava lá dentro estudando, revisando a matéria dada. Decorando as tabuadas, os verbos, as datas históricas, nomes de rios, mares e oceanos e as principais capitais do mundo. Sabia sobre climas, relevos e populações. Tinha na memória que povo habitava em cada lugar, e o idioma que falavam e os seus costumes também. Mas a gurizada malvada, galhofava do coitado. Diziam rindo, debochados, que ele não saia, era para não ver os outros lanchando no pátio, e por vergonha daquelas roupinhas. 

E na volta do recreio, mais por crueldade do que por dó, atiravam sobre a sua mesinha, uns pedaços de sanduíches, que ele comia humilhado. 

Terminava a aula e o Jacozinho se enfurnava na biblioteca do colégio, retirava da pastinha um pequeno embrulho gorduroso, para aliviar aquela fome que roncava dentro das tripas. Depois, lia o Júlio Verne, o Lobato, o Quintana e as revistas de quadrinhos que por lá estavam empilhadas num balcão. 

Por ser muito franzino e asmático, não participava das atividades esportivas e dos exercícios das aulas de educação física, o que significava, mais tempo na biblioteca. 

E não adiantava nada, nas provas escritas de todas as matérias, era sempre ele quem tirava o primeiro lugar. Em compensação, quando a professora pedia que falasse sobre determinado assunto, morria de vergonha, mergulhava na cadeira, ficava vermelho, escondia o rosto atrás dos braços, deitava o corpo sobre a carteira e da sua boca nada saía. 

Então, a professora perguntava para um exibido de dedo em pé, que falava o que sabia, mas nada em comparação com tudo aquilo que o Jacozinho tinha guardado na cabeça. Nos problemas de matemática, nos ditados e nas redações, ninguém conseguia ser melhor do que o menino. 

Uma vez, próximo do dia das mães, a professora de português pediu que fizessem um cartão de felicitações pelo dia. Tinha tesoura, lápis de cor e cartolina à vontade. Todos concentrados em querer fazer a mais linda mensagem para a sua mãe. O Jacozinho desenhou na capa do seu cartão, uma mulher lavando roupa na beira de um riacho, e escreveu embaixo: obrigado, mãe querida! E coloriu tão bonito com cores combinadas e sobrepostas, que os outros não puderam superá-lo. 

Depois a professora olhou o cartão de cada um, elogiava e perguntava o que a mãe deles fazia. Todas eram donas-de-casa, nenhuma tinha emprego ou profissão. Menos a do Jacozinho que lavava roupa para fora: “ - é para sustentar os meus estudos, professora!” Falou como se estivesse se desculpando, autopiedoso, oprimido, com os olhos cheios d'água e os lábios caídos, prontos para chorar. Decerto imaginando que aquele serviço fosse condenável, ou que fosse uma atividade vergonhosa, ou que nela não existisse respeito e dignidade. Era o beliscão do complexo de inferioridade dos vencidos reaparecendo. Eram as ferroadas miseráveis de uma atávica humildade servil, forçando, outra vez, a sua cabeça para baixo. 

Nunca mais souberam notícias do Jacozinho, depois daquele dia da entrega dos diplomas de conclusão do ginásio, quando uma senhora, que tossia a cada movimento que fazia, com um vestidinho de segunda mão, levantou-se; e foi só ela da plateia à aplaudir quando disseram o nome do seu filho. Também foi a única que quebrou o protocolo, subindo com certa dificuldade no palco do auditório para abraçar o seu formando, que conquistava, a duras pernas, a primeira grande vitória da vida que recém começava. E a assistência estava incomodada com a demora de tudo o que ela dizia baixinho no ouvido do filho, que sorria, ouvindo aquelas palavras que ninguém mais ouviu. Mas que deveriam ser doçuras vindas da alma e do coração, aquelas, que só as mães sabem dizer, a julgar pela expressão de emoção, segurança, contentamento e determinação, que se inscreveram brilhantes no rosto do Jacozinho. 

Seu pai não estava presente porque já há muito havia falecido. E mais ninguém, porque também, não tinha irmãos, nem parentes. Era ele e a mãe nessa vida, como dois frágeis galhos solitários, cravados em solo movediço, buscando apoio um no outro. 

Mais de dez anos depois, uma senhora abre a janela do apartamento térreo de uma rua movimentada, com uma sacola de plástico nas mãos, e grita para um vulto barbudo, sujo e maltrapilho, que estava deitado, tossindo na calçada em frente: “ - ó rapazinho, vem cá, e pega este resto de comida e mais este livro e estes jornais e estas revistas usadas!” 

Foi ser mendigo, o Jacozinho. Sua mãe morrera de tuberculose, logo depois daquele dia da formatura, no auditório do colégio.

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