quarta-feira, 5 de setembro de 2012

ASSIM NÃO DÁ MAIS

E essa maldita semente que não brota nunca. E aquela carta que nunca chega. E essa saudade que nunca morre. E esse pensamento que não sossega. E esse teu perfume que não me abandona. E essa música que não me deixa te esquecer. E aquela vizinha gorda do quarto andar que não para de dar descarga no vaso. E aquele maluco que não para de gritar. E aquele casal que transa direto em cima da minha cabeça. E essa solidão que não acaba. E a Aninha que atirou a aliança fora. E aquela prostituta que não aperta nunca no interfone. E a minha puta que não liga mais. Que canalhice, de uns tempos para cá as coisas não andam nada fáceis. É só dureza. Só dureza. Mais um pouco e largou tudo de mão e desapareço.

E essa porcaria de semente que não brota nunca. Parece até que endureceu a casca. E essa dor de barriga que não passa e essa ressaca desgraçada de todas as bebidas de ontem e de todos os dias. E esse vômito grudento espalhado pelo corredor. E essa torneira que não para de pingar. E essa merda de ventilador que não funciona. E essa cerveja que não gela nunca. E essa tosse que não sossega. E esse furúnculo que não explode. E esta insônia que não me abandona. E aquela prostituta irresponsável que não aperta nunca no interfone. E a minha puta que não liga mais. Ela que sempre ligava.

E essa semente que não brota nunca. Que semente mais ordinária. E esse cabelo encravado no saco. E esse candidato reacionário com esse assunto conservador. E aquela bolinha ardendo, coçando; filhote da hemorróida. E esses políticos canalhas que só sabem roubar. E aquela vizinha feiosa do primeiro andar que-quer-porque-quer transar comigo. E aquela loirinha do terceiro andar que faz que não me vê. E essa testosterona que não se acalma. Que fase, essa! E aquela prostituta tratante que não aperta nunca no interfone. E a minha puta que não liga mais. Deve ter arrumado outro, a desgraçada.

E essa porra de semente que não brota nunca. Vou atirar esse vaso fora. Tô ficando irritado com tudo e com essa bosta de semente. E essa louça que ninguém lava e esse piso que ninguém limpa. E a vontade de escrever que sumiu. E os cigarros, os vinhos, as cervejas e os destilados que estão terminando. E aquele dinheiro que nunca chega. E também essa prostituta vagabunda e irresponsável disse que em meia hora estaria aqui. Vou dar uns tapas nessa louca. E a minha puta que não liga mais. Vou dar um esporro nessa piranha. Que nada. Tenho que achar uma saída. Acho que vou reclamar pra o padre, pra o síndico e pra Deus. Desisto. Não vai adiantar. Vão me chamar de louco e não irão resolver os meus problemas.

Tá bem. Me rendo. Vou botar no lixo essa semente de merda que nunca brota, desistir dessa prostituta safada, dar um fora na minha puta, que decerto nem é mais minha, e me desfazer dessa louça suja. E vou sair pra catar outra semente pra ver se brota, trocar de prostituta e arrumar uma puta nova que me ame só por três dias e comprar uma louça nova.

Mas desta vez vou ser muito exigente: a semente tem que ser boa e brotar. Quero garantia. A prostituta tem que ser pontual, a puta tem que ser amorosa e a louça descartável. Assim nessa ordem, ou nem tanto. Até podendo ser assim: que a prostituta seja amorosa, que a puta seja boa e brote, e que elas e a louça sejam descartáveis, e que a semente seja pontual. É o máximo que posso ceder, e disso não abro mão. E pronto. Aliás, pensando bem, se tudo ficar assim e funcionando, até que não fica ruim. Dá pra levar mais um tempo e enfrentar o inverno que está chegando. Porque, quem tem uma semente brotando, uma prostituta que chegue no horário marcado, uma puta que dê amor por três dias e uma louça pra brotar fora, pode deixar fazer frio lá fora.

Agora tem uma coisa: se eu não conseguir nada disso, na semana que vem, abro mão da semente, da prostituta, da puta e da louça, e invisto todos os meus trocados, mas todos eles mesmo, em sete garrafas de cachaça e acabo transando com a vizinha feiosa do primeiro andar. Só de raiva.

(...) E esse estrondo e gritos lá embaixo, agora de madrugada. Estava bêbada. Porra, morreu a guria da moto. Morreu a semente? Será que não era a prostituta? A minha puta sei que não era. Nem a louça.

Que merda. Nada aconteceu de bom. Deu tudo errado. Sabe de uma coisa? Vou lá no boteco da esquina que ainda não fechou e vou tomar todas e esquecer, agora e pra sempre, esse negócio de semente que brote, de prostituta pontual, de puta amorosa e louça descartável. E no fim da tarde quando acordar, vou ligar para a Aninha, minha noiva que não me aguentou e dizer que mudei, que sou novamente quem eu era e marcar o nosso casamento para o dia trinta... bem sério, porque assim não dá mais. 

Claro, seu burro, como é que tu não pensou nisso antes, seu idiota: a semente boa e que pode brotar, só pode ser a Aninha. A Aninha, cara! A Aninha! A Aninha que já foi minha. A Aninha que quase brotou um dia.

Mas, se der errado... bem, se der tudo errado, não é bom nem pensar. Estão dizendo que esse inverno vai ser de rachar.

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