sábado, 8 de setembro de 2012

A VENDEDORA DE COSMÉTICOS

Desde o triste dia em que o Adão acreditou na conversa da Eva, que caiu na tentação da serpente e comeram o fruto proibido, da árvore do conhecimento, temos todos, homens e mulheres, que enfrentar a ira de Deus e cumprir o doloroso castigo divino, de trabalhar pesado e suar muito, para temperar a farinha do nosso sagrado pão. 

E dissimulados, quando questionados pelo Criador sobre a desobediência cometida, o Adão culpou a Eva, que culpou a cobra, ambos se dizendo enganados, se passando por vítima. Não adiantou nada. Estava proferida a sentença. De olhos abertos e envergonhados foram expulsos, sem direito a recurso, daquele sítio encantado. 

Por tal imprevidência, merecia o primeiro casal, era uma grande surra, mais o desprezo total dos humanos que lhe sucederam. Onde já se viu perder aquela mamata que era viver no Éden, em troca de uma maçãzinha boba. Por mais suculenta que fosse, foi um péssimo negócio. 

Foi fraco o Adão. Bastava bater o pé, e dizer um sonoro não para a Eva, e estaríamos em férias permanentes até hoje. Por culpa dos dois perdemos o Paraíso Eterno. Agora, o Éden almejado é trinta dias de descanso numa dessas praias badaladas e entupidas de gente, com os preços pela hora da morte, com férias miseráveis, muitas vezes regadas com suco de saquinho e sanduíche, polenta e frango assado. É, mereciam apanhar, o Adão e a Eva. 

E com a Adelina, vida não foi diferente. Tinha que trabalhar para compor o orçamento doméstico. Ajudar no sustento dos dois filhos que o Cândido trouxe junto, frutos do casamento anterior. 

Pois inventou a Adelina de encher uma frasqueira com cremes, perfumes, loções e quejandos, enfim, uma linha sortida de cosméticos, e às tardes sair pelo centro da cidade oferecendo os seus produtos. 

Esta atividade da Adelina estava rendendo bem. Já ganhava muito mais do que o Cândido, como garçom de churrascaria, até, porque, a mulher era vistosa, e linda. Longilínea, cabelos louros abaixo dos ombros. Cintura marcada. Contemplada com exuberantes coxas roliças, douradas, enfeitadas com umas penugens delicadas, deliciosamente ali nascidas, que provocantes subiam joelhos acima, progredindo bandidas, até o céu das suas virilhas. Pareciam ouro em pó reluzindo contra o sol. E os lábios, quando não estavam pintados de carmim, eram duas pétalas cor-de-rosa, tiradas da cor rosa, da rosa mais cor-de-rosa que já existiu. Pura tentação. Sobrava-lhe corpo, beleza e encantos. Até nem combinava com o Cândido; baixinho, barrigudo e sem iniciativa. Pasmado. Quase nada somava. Quando a Adelina passava, quebrava o pescoço da gente, botando em fervura os hormônios de quem era macho, e fabricando inveja e antipatia no mulherio; nas feias e nas bonitas, aquela cavala desgraçada. 

Porém, a Adelina se exibia meio avoada, fugia um pouco daqueles exigidos padrões familiares; daquilo que a sociedade espera do comportamento de uma esposa convencional. 

Trabalhava até as duas da tarde, e a noite, o Cândido. Portanto, tinha tempo de sobra para levar a Adelina até os clientes, que agora, já atendia com hora marcada. 

Chegavam próximo a um prédio, estacionava o seu carrinho verde-garrafa e a Adelina subia até um apartamento para demonstrar tubos, vidros e potes do seu sortido e aromático cardápio de iguarias cosméticas. Sempre avisando o Cândido que demoraria coisa de uma hora, ou um pouquinho 

mais, porque aqueles eram clientes especiais. E como tinha clientes especiais, a Adelina. Ele, contente, aguardava a mulher, escutando música brega no rádio do carrinho verde-garrafa. 

Assim passava o tempo, com a Adelina fazendo quatro visitas por tarde. Depois, voltavam para casa felizes por conta do belo faturamento feito com as vendas a domicílio. 

O homem é um ingênuo. Pensa que domina a situação. Se convence, tolamente, que possuiu nas mãos as rédeas do relacionamento. Doce ilusão. A mulher, por sábia, concede-lhe esta impressão. Não passa, o coitado, de um marionete falante, manejado com habilidade pela perspicácia feminina. Executa o que ela lhe ordena e pronto, tal um animal domesticado. 

Da mesma forma que o Adão foi ludibriado pela Eva, por confiar na sua palavra, assim também o Cândido, o Adão moderno, acreditava na Adelina, a Eva de hoje. 

Quando já havia passado uns três anos naquela atividade, a Adelina, com boa quantia na poupança, abandonou o Cândido e os filhos, alegando que precisava ser dona do seu nariz; que iria abrir uma loja de cosméticos em outra cidade, porque o negócio era muito rendoso. Que não nascera vocacionada para o matrimônio. 

E se foi, deixando para os seus homens o perfume azedo da saudade. 

Ele chorou umas lágrimas quentes que lhe queimavam as faces, e junto, uma tristeza, que feito um estilete afiado, ia tirando lascas da sua alma. Alguma coisa importante se quebrou dentro do Cândido, naquele dia. 

Nem ao menos um bilhete de despedida embaixo do travesseiro, pensava o Cândido, sentado na cama, olhando fixo para a frasqueira da Adelina, atirada num canto do quarto, quando deixou sair boca afora misturado numa voz molhada: agora ri bastante bobalhão. Chora, palhaço! 

O que o Cândido nunca soube, é que a Adelina, não vendia cosméticos. Era só fachada. Quando ela subia diariamente, todas as tardes, inclusive nos finais de semana, nos quatro apartamentos, era para fazer programas com os clientes fixos que lhe pagavam muito bem. E para dar verdade ao negócio, ela entregava alguns produtos, como brindes, para aqueles que se saciavam nas suas apetitosas e douradas carnes. Final do dia, a baixa no estoque da maleta, justificava o dinheiro recebido. 

E o Cândido também não ficou sabendo, que na cidade do interior para onde a Adelina se mudou, ela não abriu loja nenhuma de cosméticos, e sim, a melhor casa de mulheres da região. 

Lá chegando, passou a ser chamada, e ficou muito conhecida e famosa como madame Hadelye, que adquiriu inclusive um estranho sotaque francês, arrumado, não se sabe onde. É verdade. Neste campo misterioso, os homens evoluíram muito pouco depois da experiência no Paraíso. Ainda são uns Adões inocentes, acreditando cegamente em tudo que as Evas lhes prometem. E estas, continuam envolvidas, com os perigosos bafos das serpentes.

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