sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O PACTO

Era uma mulher formosa a Alberta. Farta de corpo, com um traseiro generoso, seios graúdos e uma boca apetitosa, úmida, sugerindo secretas tentações. Pele morena, corpo esguio e um par de coxas que eram um convite ao pecado. E os pés com tornozelos afinados e os dedinhos que pareciam frutinhas retiradas de um desconhecido pomar. Quando passava, deixava solto no ar o rastro de um perfume, que outra coisa não era, senão o cheiro de um cio acumulado; detalhe soberbo que a fez colecionar paixões devastadoras dos incontáveis e desesperados pretendentes, alguns capazes de abandonarem as suas ilibadas reputações, para terem o indizível prazer de poderem desfrutar, uma só vez que fosse, das carnes de tão exuberante mulher.

Lá pelos quarenta anos, com um passado desregrado e com um filha com quinze anos, conheceu o Jorge, e viu ali a escapatória de uma vida de dificuldade.

Casou com o Dr. Jorge, médico de bom nome, zeloso do seu ofício; cuidava com abnegação, quase como um sacerdócio, das doenças do corpo e da mente da sua imensa clientela. Era um homem bondoso, sossegado, caridoso; um bom coração. Atendia a todos a qualquer hora, independente das posses que seus pacientes eram donos. Nada mais justo que fizesse fortuna, com tão extremada dedicação aos males do ser humano.

O Dr. Jorge há pouco havia rompido a barreira dos cinquenta e sentia, quando a noite chegava, uma solidão desgraçada, e enxergou na Alberta a companhia certa para aquecer aquele solitário coração.

Trocaram, com essa união, os interesses. Cada um dava para o outro, aquilo que o outro tanto necessitava. Ela lhe forneceria companhia, ele, em troca, daria a estabilidade. Fizeram, o que acontece a rodo, quando a base dos relacionamentos funciona como uma espécie de comércio. Uma loja em que as transações nada mais são do que uma busca de vantagem pessoal, onde, inevitavelmente uma das partes deve entrar com uma boa quantia em dinheiro. Afinal, tudo tem o seu preço, principalmente quando o amor também está a venda.

Negócio fechado, agora havia um problema. Aliás, um problemão. Por ser portador de uma devastadora diabetes, o Dr. era proprietário de irreversível impotência sexual.

Quando ele confessou o seu drama para a Alberta, esta sentiu-se aliviada, e aproveitou a oportunidade para atirar as suas fichas na mesa e jogar. Disse para o Jorge que há anos tinha um namorado, o Pedro Galo, que a partir de agora – do casamento – seria o seu amante.

O Dr. sentiu o golpe, mas em instantes se recuperou. Entretanto, nada falou. A falta de voz é a emoção ou a dor do consentir, diz o antigo adágio. O silêncio do Dr. Jorge, deixou escrito nas entrelinhas, que assim poderia ser; doravante. Ali, naquele instante, ficara rigorosamente firmada uma aliança, que através daquele indelével acordo tácito, cada um cuidaria da sua parte, zelando os devidos acordos, para que o negócio se tornasse mais próspero a cada dia.

Só impôs uma condição, o Dr. Jorge: que tudo fosse feito discretamente. O seu prestígio não poderia, de modo algum ser abalado naquela triangulação. Acordo fechado, sorriam os dois de alegria.

O Pedro Galo, um rapaz bem traquejado, da noite, dado a festas, mulheres da vida e afeiçoado as cartas do baralho, também melhorou de vida, com o apoio financeiro, que agora a Alberta lhe concedia. Adquiriu roupas novas, comprou um carrinho usado, e bem exibido, andava com os bolsos extremamente bem capitalizados.

O Dr. Jorge caiu do céu, como um diamante sem jaça, enviado sabe-se lá por que espécie de divindade, para a Alberta, para a filha e para o safado do Pedro Galo.

Depois de uma certo tempo, os quatro passeavam juntos. Viajavam até a praia mais próxima, onde almoçavam, passeavam e faziam compras. Quatro não. Cinco. Por que a filha já havia arrumado um namorado. No carrão, o Dr. na direção, a Alberta ao seu lado. No banco de trás, a filha, o Pedro Galo e o namorado sentado entre os dois. Que alegria eram aqueles momentos. Todos sorriam, cantavam, e deixavam combinado onde iriam no próximo domingo. Olhavam para o amanhã e só viam contentamento.

Uma noite em famoso restaurante, após o jantar a Alberta comunicou ao Dr. que estava grávida. A filha baixou a cabeça e ficou brincando com os anéis, o namorado olhou para o teto e começou a contar as lâmpadas, o Pedro tirou a tampa do paliteiro e ficou dissimulando também, quebrando em pequenos pedacinhos todos os palitos que tinha na sua frente. O Dr., primeiro engoliu em seco umas bolas que trancaram na sua garganta, tomou um gole d'água, levantou a cabeça, sorriu o único sorriso que encontrou para sorrir e disse: “ - Que bom, Alberta. Que notícia maravilhosa. Estamos todos de parabéns. Vamos comemorar.” Chamou o garçom e pediu duas garrafas de espumante, esquecendo da diabete.

Brindaram, apertaram as mãos, se abraçaram. O Dr. beijou a Alberta, a filha e o namorado beijaram a Alberta e o Pedro Galo também beijou a Alberta.

“ - Se for guri vai se chamar Jorge Pedro”, exigiu a Alberta.

“ - E no dia do nascimento vamos fazer uma festa. E você, Pedro Galo, desde hoje já fica convidado para padrinho”, disse feliz da vida o Dr. Jorge.

O Pedro Galo topou na hora, dando uma piscadinha de olho maliciosa para a Alberta que devolveu a mensagem, com um leve sorriso, que mal mexeu com o canto direito da boca, com a cumplicidade de quem, separado dos outros, selavam dentro do ajuste atual, um outro pacto para o futuro.

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