quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O CONSENTIMENTO

O Tarcísio cismou que tinha que casar. Era uma tradição na sua família os homens casarem cedo. Com vinte e oito anos se achava um solitário. Um sofredor. Comparecia nas festas e não aproveitava, não se divertia, não dançava, não sorria. Só bebia. Até cair. Só havia uma solução: casar.

Um dia perguntou para a Núbia, sua antiga colega de escola se ela queria casar com ele. Ela, primeiro levou um susto, depois ficou pensativa. E nesse emaranhado de pensamentos enxergou uma vida melhor, afinal os negócios do Tarcísio andavam de vento em popa. Então, devolveu o copo de guaraná sobre a mesa da lanchonete, olhou firme os olhos do Tarcísio, deu um beijo no seu rosto suado e disse: “ - quando?”

Dois meses depois estavam casados. Aparentemente felizes. Passeavam, se divertiam, dançavam, enfim, andavam sempre juntos, para cima e para baixo. A felicidade que havia escapado feito um pássaro arisco que que havia voado pra longe, voltou para o Tarcísio. A sua vida agora era só alegria. Os amigos até estranharam que por dentro daquele sujeito invocado, casmurro, houvesse, escondido, uma alma tão expansiva, doce e festiva.

A Núbia continuou do mesmo jeito: quieta, com um ar de mistério. Parecia estar sempre atirando, para quem a olhasse, uma espécie de indecifráveis mensagens. Mas isso ninguém estranhava, afinal, desde de pequena ela foi assim; econômica nos gestos, comedida nos sorrisos, discreta nas atitudes, parcimoniosa nos gastos, contida no vestuário e moderada com as palavras. Se tornara aos olhos de todos um exemplo de mulher, de esposa e de dona de casa. E por ser de pouca conversa ninguém sabia nada a respeito dos seus pensamentos. Nada, nada. Era um túmulo hermeticamente lacrado, a Núbia.

Antes de casarem, ela estava fazendo uma segunda faculdade: psicologia. E todas as noites o Tarcísio a levava até o portão da universidade, para depois, no final do turno ir buscá-la. 

Assim iam levando a vida. O Tarcísio durante o dia na sua loja de autopeças, a Núbia cuidando da casa, dormindo as manhãs inteiras e assistindo na tv, toda a programação da tarde. De noite a faculdade, e passeios no fim de semana nos parques da cidade e jantando fora, no mesmo restaurante, aos sábados a noite. Sempre.

O Valdo que era amigo do peito, de toda a vida chegou para o Tarcísio e disse, direto, seco: “ - A Núbia está te traindo:”

“ - Tá louco, amigo! Que bobagem é essa?”

“ - Está sim. Eu estudo na mesma universidade que ela, e três vezes por semana, nas segundas, quartas e quintas, assim que tu vais embora, após deixá-la no portão, ela anda um pouco pátio adentro, dá meia-volta e entra num carrão preto e só retorna meia hora antes de encerrar o turno. Entra novamente para o pátio, e quando chega a hora, ela sai, casta e pura, para ir embora contigo. Antes de te falar, observei por longo tempo essa rotina. Podes averiguar. Concluiu o Valdo.

Na outra noite, após a Núbia descer do carro e entrar no Campus, o Tarcísio estacionou o carro mais adiante, desceu, atravessou a rua e ficou observando.

Não deu outra. Aconteceu exatamente como o Valdo lhe contara. Esperou outro longo tempo, até que meia hora antes do término das aulas ela desembarcou do carrão preto.

E para ter bastante certeza, o Tarcísio repetiu a rotina de observação dos passos da Núbia naquelas noites marcadas, sem nunca lhe falar nada, sobre as suas repetidas e rotineiras traições. Continuava o mesmo, como se nada soubesse, até que um dia desistiu daquela dedicada, cansativa e já neurótica vigília.

Uma noite de sábado, final de semestre, após o jantar no restaurante de sempre, o Tarcísio diz:

“ - Como é o nome dele?” 

“ - Fábio.”

“ - Posso conhecer, o Fábio?” Perguntou o Tarcísio.

“ - Não. Vai perder a graça!” Respondeu a Núbia.

O Tarcísio chamou o garçom e pediu duas taças de ambrosia.

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