terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O MARIDO DOMESTICADO

Assim que voltou da farmácia onde fora comprar absorvente íntimo para a Dinorá, o Elpídio sentou no sofá, colocou o gato felpudo no colo e disse baixinho para o animal: - que saudade do meu tempo de solteiro, quando eu era livre, meu amigo. Quando eu não tinha ninguém para obedecer. Da época que eu era um aprendiz de predador, vivendo em estado selvagem. Depois de casado o homem se torna um animal doméstico, cativo da sua dona. As esposas sabem domar um homem. É um ensinamento secreto que a mãe transmite para a filha junto com o leito materno.

Primeiro, a gente é criança e vive sendo mandado pelos pais. Depois fica adulto, casa e continua acatando ordens. Só troca a chefia. Agora que me aposentei, foi então que a coisa piorou. Me transformei em secretário da Dinorá: é um tal de Elpídio sair para comprar pão, leite e margarina, levar roupa na costureira, comprar esmalte e lixa de unha e tintura de cabelo, e pintar os seus cabelos. Sim, porque sou eu quem trata as cutículas, as unhas e os cabelos da Dinorá.

Parece que ela tem prazer em mandar em mim. Não pode me ver quieto que inventa alguma coisa para eu fazer. Ultimamente, são também, tarefas exclusivamente minhas, lavar a louça, cozinhar, tirar o pó dos móveis, arrumar a cama, limpar as vidraças e varrer a casa. E a madame, lá deitada assistindo televisão, ficando mais gorda a cada dia que passa.

Isso deve ser coisa do perfil de personalidade: homens calmos e fracos são atraídos por mulheres mandonas. Se eu fosse um homem durão, nem teria conhecido a Dinorá, porque homens fortes atraem mulheres sensíveis e mulheres autoritárias atraem homens frágeis. Os casais se formam baseados na ancestral lei da atração entre os opostos, feita por dominador e dominada ou dominado e dominadora. É a influência do império da lei da selva: o mais forte sempre subjugando o mais fraco.

Agora é tarde para mudanças. Até porque já estou acostumado com essa desmoralização. No fundo aprendi a gostar de ser mandado. Aliás, nasci para receber ordens. Não possuo espírito de liderança. Nunca fui promovido na repartição, justamente por ser alguém sem iniciativa, acomodado. Se não receber ordens, fico perdido, sem saber o que fazer. Acho que fui escravo numa encarnação passada.

Nisso a Dinorá gritou lá do quarto: “ - Elpídio, me faz um chá de boldo bem forte. Ah, e cuida para não ferver a água. Ah, e serve naquela xícara que tem um galo estampado. Ah, não esquece de conferir se desligou bem o fogão. Ah, e com duas gotas de adoçante. Ah, e não esquece do pires. E ligeiro Elpídio, que estou com o estômago todo embrulhado. Aquela tua maldita macarronada está viva, corcoveando dentro da minha barriga.”

O Elpídio olhou nos olhos do gato felpudo e falou para o bichano: “ - que porcaria de vida! É nessas horas que eu tenho vergonha de ter nascido homem!”

Recolheu com a ponta da língua uma lágrima quente que caiu sobre o canto da boca, e respondeu com a voz macia dos vassalos: “ - já estou indo querida!”

E o gato felpudo miou forte, exigindo leite morno no pratinho.

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