quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O TRUQUE DA DONA ZIZA

Intervalo do primeiro encontro semanal da oficina que versava sobre escrita literária. Se aproxima de mim uma senhora idosa, de cabelos verdes com uma mecha alaranjada, entusiasmada com a vida. Vestida com longa saia indiana e enfeitada com brincos, colar e pulseirinhas de pedras coloridas, e um sorriso pintado de batom vermelho, desenhado bem bonito no rosto marcado pelo tempo. Nela, não se enxergava uma velha; olhos vivos de menina arteira. 

Me disse que lera repetidas vezes os grandes autores da literatura universal, e que desejava aprender a técnica para escrever contos, que teriam como pano de fundo a sua história de vida, dos seus bem vividos oitenta anos. Que tinha muito para contar. E que, também sentia uma necessidade muito grande de colocar para fora as suas inquietações, libertar os seus fantasmas e demônios; soltar a imaginação. 

Sabe, me disse ela, as pessoas mais jovens olham para mim e pensam que eu já nasci velha. Não imaginam que fui jovem um dia. Estão convencidas que fui sempre assim. Acreditam que sou uma santa, sem passado. Não lhes ocorre que tive uma juventude e que vivi como todo jovem mais ousado vive. Que aprontei cada uma nesta vida, difícil até de contar. 

Hi, hi, hi, sorriu assim, bem safadinha, colocando as mãozinhas enrugadas sobre os lábios, com os olhinhos molhados de azul, quando recordou de uns pedacinhos de antigamente. A expressão dela quase me contou tudo. Por pouco não se confessou. Mas pude imaginar o que a sua boca não quis dizer. 

Aproveitei o clima favorável e pedi para que ela me contasse alguma aventura; uma apenas já bastava. Ela me olhou pensativa, recolheu o sorriso, assim como uma flor quando se fecha, e achou melhor que não. Que ficassem onde estavam, guardadas na lembrança. A seguir, em tom solene, me disse que após dominar a técnica e os caminhos do ofício de escrever narrativas curtas, então colocaria suas experiências e segredos na boca dos personagens que criaria. E que se lhe perguntassem, se eram detalhes da sua vida que estavam no enredo de suas histórias, juraria de pés juntos, que tudo o que estava escrito era pura invencionice. Que nada daquilo acontecera um dia. Que tudo era pura ficção. 

Me falou, a espertinha, que a literatura serve de proteção para o autor mentir à vontade. Que o escritor cria e usa os seus personagens, para eles dizerem aquilo que ele, de outra forma não poderia dizer. Arrematou, maneando positivamente a cabeça esverdeada: “ - os escritores são todos mentirosos. Enganam a gente o tempo todo. Mas se eles não nos iludissem, se eles não nos seduzissem com o outro mundo que inventam, a nossa vida seria muito dura. A realidade do dia a dia, cansa, aborrece; a arte emociona, nos faz sonhar, leva nossa imaginação para andar por caminhos desconhecidos.” 

Gostei da dona Ziza, mais ainda quando ela me convidou para fumar um cigarro, ali, depois da porta. Acendi o dela e o meu. Deu uma longa tragada, depois ficou olhando as voltas de fumaça sumirem no ar; baixou a cabeça e me disse sorrindo outra vez: “ - fui tão linda quando moça, tão adiantada para a minha época, que não quis saber de casamento. Dei voltas no mundo onde amei e fui amada. Atravessei continentes, conheci cidades e povoados, conversei com as pessoas, vivenciei outras culturas. Vivi a vida. Sempre me renovei. Suguei o caldo da terra. E para completar, ainda tenho momentos de plena felicidade. Agora estou aqui, onde quero aprender este truque de enganar escrevendo!” 

Dei uma risada e voltamos para a sala para tentar desvendar sobre esta força misteriosa que obriga a gente a escrever. E também, aprender a ser mentiroso, segundo a dona Ziza.

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