sexta-feira, 16 de agosto de 2013

GRATIDÃO

Pobrezinha que dava dó. Com uns vestidinhos surrados, pezinhos bem feitos, desfilava bonitinha pelas ruas sujas da vila, e na escola noturna onde estudava, da qual fora rainha no último concurso. Que era perfeita de corpo, isso era. Magra, alta, pernas compridas, torneadas, ombros de porte, pescoço longo, seios redondos e empinados. E um rosto que se bem tratado, mostraria jóia muito preciosa de se ver, porque realçaria os lábios carnudos , o nariz afilado, altivo, e os olhos verdes, observadores; olhos de gente inteligente. Cabelos pretos bem-nascidos, mais os dentes brancos, sadios, parelhinhos. Sorriso fácil e bom. O que atrapalhava era aquela pobreza desgraçada. 

Teve uma festa junina com fogueira e tudo. Na encenação do casamento na roça ela era a noiva. Como ficou atraente naquele vestido branco, com as maçãs do rosto tingidas de vermelho. O pessoal da vila em peso tomava quentão, comia pipoca, rapadurinha de leite e amendoim. E dançavam quadrilha, de uma música que saía de dois ou três alto-falantes, pendurados nos paus fincados no chão, que sustentavam a lona da barraca de som. 

O Barão, um velho rico da cidade, viciado em caçar meninas pobres nos arrabaldes estava lá, com o olhar matreiro, predador. Milagre, que a Maria de Fátima tenha até então escapado das suas garras! 

Quando enxergou a noivinha disparou sobre ela. Pagou quentão, pé de moleque, mostrou do bolso um maço de dinheiro, fez promessas no ouvido. Depois, ela entrou no carro dele, vestida de casamento. 

Ficou três dias fora. Quando voltou era outra pessoa, a Maria de Fátima. Cabelo tratado, pele limpa, maquiada. E as roupas então! Parecia uma modelo pronta para entrar na passarela. Mais as mãos cheias de sacolas de lojas de shopping, abarrotadas de novidades. 

Avisou em casa que iria morar num apartamento na beira da praia. Que iria se preparar para entrar na faculdade. Que iria frequentar bons restaurantes e tomar vinho de qualidade. Que iria comer comidas vindas de fora pedidas pelo telefone. Que aprenderia boas maneiras. Que conheceria gente importante. Que iria ler, ler, ler livros que ali ninguém conhecia. Que se tornaria uma pessoa culta. Que aprenderia a dirigir e ganharia um automóvel. Que iria ajudar pai, mãe e irmãos. Que dormiria e acordaria sempre bonita. Que haveria uma transformação na sua vida. Tudo patrocinado pelo Barão. Que o velho estava apaixonado por ela, tão novinha, tão fresquinha com seus 17 anos. 

Assim foi feito. Assim aconteceu. Passaram-se 6 ou 7 anos, ou um pouco mais, e a Maria de Fátima conheceu aquilo que se chama de milagre. Obedeceu às ordens, acatou as regras do jogo; pacienciosa, deu tudo de si. Acariciou os sinais do destino. 

Sabe-se que adquiriu prestígio. Agora cuida com zelo e competência os processos dos seus clientes em requintado escritório, a Dra. Maria de Fátima. Vida pura, sem cambalachos. 

A vida; ah, a vida! O destino; ah o destino! O destino... O destino! Essa maravilha chamada destino! É só aceitar a sua aparição, com as feições que estiver usando quando bater na nossa porta . Não se encher de pudores, diz ela sempre, que se não fosse aquele vestidinho de noiva do casamento na roça, jamais teria acesso à vida que usufrui. E que as desilusões morram na época certa, para cederem lugar aos novos tempos de alegria. 

O Barão fez a parte dele. Ela, a sua. Como num contrato bem cumprido cada um desempenhou o papel que lhe tocava. Mas foi o Barão quem retirou a casca suja que cobria aquele precioso diamante. Aquele banho de loja inicial mostrou que o que havia por baixo da poeira, não era coisa qualquer. 

Dizem até hoje, lá na vila, que o Barão tem isso de bom: usa as meninas, mas elas têm a obrigação de estudar. 

Estão contentes os dois. Ela, outro dia usou um vestido de noiva verdadeiro. Casou com um rapaz de boa família, médico, parece; de uma cidade vizinha. E o Barão, de vez em quando, ainda frequenta aquele corpo bonito, tratado com cremes caros, depositário daquela vida, que ele retirou certa noite, de uma pobre festa de São João. 

É que a Maria de Fátima sabe ser reconhecida. Porque, gratidão para os gratos, é coisa dura para sempre.

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