quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O VENDEDOR DE CONTOS

É natural que todo escritor tenha o desejo de que suas criações sejam lidas, que cheguem até os leitores; estes sim os destinatários de todo esforço intelectual e criativo daquele que escreve. 

Os textos após escritos normalmente vão para uma editora, que os revisa, diagrama e imprime, dá-lhes forma de livro, vestido com uma magnífica capa, e com um título atraente, vai parar nas boas livrarias, para, enfim, cair nas mãos dos tão esperados leitores. Todos precisam vender as suas obras, para, no mínimo, continuar escrevendo. 

Não foi bem assim o que aconteceu com o autor de contos que conheci nas ruas centrais de uma grande cidade. Suas obras não passavam por editoras e nem frequentavam as chamativas vitrines das livrarias. Eram digitadas, e de cada texto original tirava diariamente dezenas de cópias e as oferecia nas praças centrais das cidades por onde passava. Ali instalava uma mesinha redonda, de ferro, e duas cadeiras brancas, e sobre a mesinha uma caneta, algumas folhas de papel em branco, uma garrafa de água, dois copos e a carteira dos seus cigarros de sempre; vestido com um terno de linho branco, chapéu panamá, aquela esguia e simpática figura. Sua presença fazia bem a quem o observava, e um cartaz fixado num tripé ao lado da mesa, onde todos podiam ler: “Quem lê um conto, aumenta um ponto.” 

Os contos a venda estavam pendurados em umas cordas estendidas que se fixavam em duas lindas e copadas árvores que ali residiam já há muito tempo. 

(...) e como parava gente para ler os contos e ouvir alguns que ele ou alguém da assistência lia para deleite de todos! E também assistiam, vez por outra, ele escrever algumas linhas de uma próxima história, nas folhas em branco sobre a mesinha. Ali assistiam em toda a plenitude, como já foi dito por alguém: o ferreiro exercendo o ofício da sua forja..., e compravam um, dois, três contos cada pessoa. As vezes um conto de cada título. E aproveitava para falar de literatura, dos autores russos, e tirar dúvidas banais de alguém que queria saber qual a diferença entre a crônica e o conto. 

Parava todo tipo de gente, dos mais humildes aos mais letrados, dos mais pobres aos mais abastados, estudantes, senhores e senhoras, mendigos e moças bonitas também. 

De quando em quando, lia em voz alta um outro conto de sua autoria. Recebia bons aplausos, e alguém sempre dizia: eu quero este conto, eu também quero um destes. 

As pessoas que apreciavam este tipo de expressão literária, e mais os curiosos, iam adquirindo os contos de acordo com o título, com a temática que mais se identificavam: se o texto falasse de amor vendia vários, se falasse de desencontro também vendia outros tantos; vendia muito bem os que falavam de amor e desilusão. Entretanto, os contos campeões de vendas eram aqueles que tinham como enredo os temas voltados para o amor, os desenganos e a traição. E também aqueles que falavam das nossas intimidades; das pulsões que latejam dentro das nossas almas. 

No meio de uma tarde quente aproximou-se dele uma senhora se dizendo escritora e que invejava o vendedor de contos, porque os escritores, dizia ela, somente encontram-se com os seus leitores naquelas longas e demoradas filas de sessões de autógrafos, e ele, estava ali, em contato permanente, tendo em volta todos os que o liam. Aquela era a vida que todo escritor desejava ter: contato permanente, ouvindo elogios, recebendo abraços e sorrisos, ouvindo palavras de incentivo e também algumas sugestões para novas histórias. O sonho de interagir com o seu público estava ali materializado. Levou consigo, esta senhora, toda coleção de títulos, dizendo que também os levaria para uma filha sua, apreciadora de histórias curtas. 

Pessoas retornavam em outros dias para adquirirem outros contos avulsos, com enredos ainda não lidos. E traziam amigos, parentes, filhos, para ficarem por ali, nem que fosse por um breve instante de tempo. Muitos adquiriram o gosto pela leitura naqueles encontros no interior daquelas praças. 

Um dia, estava o escritor, escrevendo este texto, e exatamente neste momento da escrita, quando a história se encaminhava para o final, aproximou-se uma mocinha de aspecto muito frágil, com a pele muito clara a mostrar as veias azuladas, no rosto, nos braços, nas mãos, e sem cabelos, por conta de um severo tratamento que estava se submetendo. 

Disse que no hospital, recebia de sua mãe vários contos avulsos, todos os dias, e que os adorava, que a distraia, que a alegrava; que por longos momentos esquecia do seu mal, navegando no enredo daquelas histórias nascidas da imaginação. E que prometera a si mesma, quando saísse do hospital, viria conhecê-lo. 

O escritor pediu a ela que sentasse; ela olhou para este texto sendo escrito e perguntou-lhe, a quem seria dedicado. 

Ele olhou os olhos fundos e sofridos da mocinha e lhe disse: “– este é para você. Espera só um pouquinho para eu terminá-lo e escrever uma dedicatória em teu nome.” E depositou o texto nas mãos trêmulas de sua leitora; enquanto ela pedia, já em pé, para ele levantar-se, e lhe emprestou o abraço mais terno e amável que jamais recebera. 

Quando terminou aquele aconchegante abraço as pessoas que ali estavam não puderam desistir da emoção, ao presenciarem tão humana, verdadeira e comovente cena. 

Neste instante, se aproximou a sua mãe, que observava tudo a média distância, aquela senhora escritora, que levava os contos para a filha no hospital. Abraçou a sua menina, saíram prometendo retornar. 

Ele desmontou a sua mesa, agradeceu a todos que ainda estavam por ali. Mas foi neste instante que ocorreu mais uma surpresa: todos, um a um dos assistentes compraram todos os contos que ainda restavam. Não sobrou nenhum, somente os originais. 

Só pode ter sido uma forma de pagamento que aquelas pessoas encontraram para agradecer por terem presenciado tão raro e sublime encontro de almas. 

E foi o escritor para o hotel com o rosto marcado por aquelas suaves maravilhas provenientes da felicidade, sentindo-se o maior contista do mundo, laureado com o prêmio mais nobre que alguém pode receber: um abraço e um agradecimento.

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