quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

OLHOS DUROS E DENTES DE OURO: A ARMADILHA

Uma vez, rapaz ainda, entrei num hotel com uma bonita mulher, que arrumei numa rua do centro da cidade. Era quase linda. Fatal. Esguia; pele clara, lábios bem desenhados que não sorriam e pernas espetaculares. Com os cabelos dourados que pareciam fininhos raios de sol. Nela, de estranho, só o olhar: duro e enviesado. Forte com um tiro de canhão. No mais, tudo era só encantamento.

Quando nos aproximamos da portaria, saltou de uma poltrona ao lado, um homem enorme, cara de índio, forte como um touro, com os dentes de ouro; os seis superiores, da frente.

Me atacou e disse: - Esta mulher é minha. Larga ela e te manda. Olhei o tamanho do atrevido e aquela cicatriz que atravessava a sua face direita, da orelha ao queixo, em forma de meia-lua. Me deu um azedume na boca. A saliva virou um farelo que não consegui engolir. Pensei, e disse: - Então tá. Se é tua, pega de volta.

A mulher, que não era daquelas que um homem devesse perder sem lutar, me olhou com um olhar forte e atravessado, e me disse: - assim !!! Vai me entregar, assim, seu frouxo?! Vai perder no grito?!

Com um pouco dos meus brios atingidos iniciei uma reação. Foi quando o sujeito puxou um 38 e enfiou na minha cara. Bem no meio da testa. Então eu disse: - para, não precisa tudo isso. Eu ganhei ela agora, ali na rua. Mas se tu tens ela há mais tempo, então fica com ela.

O porteiro olhava assustado aquela cena que estava se encaminhando para um final trágico. Aí, a mulher foi rápida como um pensamento. Aproveitou que o cara estava focado só em mim, com o cano do revólver apontando na minha cabeça, abriu a bolsa, tirou lá de dentro um canivete de mola e avançou decidida e espetou a lâmina bem fundo no peito esquerdo dele.

O homem arregalou os olhos, deixou escorrer uma gosma amarelada pela boca, e sem grito nem gemido, foi caindo, bem devagarzinho sobre o tapete encardido, cheio de fiapos por onde pisávamos.

Caiu de barriga pra cima com a boca aberta, a língua estendida por cima da comissura direita do lábio inferior, com os dentes de ouro brilhando, decerto, a única riqueza que possuía. E com os olhos abertos procurava, já defunto, um anjo que salvasse sua alma suja.

Ela me olhou com cara de valente, soltando fogo pelos olhos tortos e duros, e me disse: - viu! É assim que se faz, seu molenga. Covarde! Não presta nem pra proteger uma mulher indefesa!

Na delegacia de polícia fiquei sabendo que ela já havia acabado com a vida de outro companheiro seu, em semelhante situação, e esfaqueado mais dois; sempre solta por legítima defesa.

A seguir, o escrivão me mandou embora. O meu depoimento havia terminado. Ela ficou por lá, abandonada, fumando, sem canivete, olhando com um jeito reprovador os meus passos de retirada.

Saí pra rua, acendi um cigarro e disse pra ninguém: que estranho é o amor. Que coisa mais esquisita. Que arma violenta é o sentimento de posse. Que ímpetos inesperados e que fúria se escondem dentro de uns olhos estranhos. Que fogo indomável é um ciúme doentio. Que força maléfica possui uma bonita mulher quando usa outro homem pra ameaçar com a infidelidade o seu parceiro. Agradeci, por ter saído da fila.

Achei um bar e pedi uma cerveja, esquecido um pouco da vida. Só pensando nas costuras bandidas, nas armadilhas que fabricam a morte. Aí, foi quando me dei conta, que eu, imbecil, havia sido usado como isca, servindo de inocente útil para aquele premeditado resultado.

Então veio um vento frio, e olhei pra cima e vi o céu escurecer. Repentinamente umas nuvens gordas pariram um raio com faíscas medonhas, que cortaram ao meio a noite que envelhecia.

Naquele momento senti um arrepio na alma, como se aquele canivete bandido tivesse, também, atravessando o meu peito

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