quarta-feira, 8 de maio de 2013

O DUELO, O CONCURSO E O PRIMEIRO AMOR

Nos fundos do imenso pátio de uma antiga casa que eu morava, imerecidamente errei na mosca, já que muito havia treinado. Cheguei a sentir uma dor no lado e outra no braço e um formigamento no dedo, de tanto atirar. Eu não podia morrer naquele duelo criado na minha imaginação. 

Depois, fui para dentro de casa escrever. Eu tinha que acertar naquele conto. O concurso no colégio estava se aproximando e eu não tinha escrito nem uma mísera linha. O Carlito, meu adversário, se gabava para todo mundo que o dele estava ótimo, e que iria me vencer. 

Quando voltei da escola, depois de almoçar, voltei a treinar. Errei a mosca de novo, de novo e de novo muitas vezes outras. Mas é tão pequeno este alvo, pensei. Pequeno assim, nunca vou acertar. Posso aumentar a mosca ou me aproximar mais do alvo. Ou os dois. Escolhi a última opção. Aí acertei sempre na mosca. 

Voltei para casa, peguei a caneta e fiquei olhando para aquela folha de papel em branco. Quase dormi sobre ela, e nada de me aparecer uma ideia para o conto do concurso no colégio, entre eu e o Carlito. Éramos os finalistas. 

A torcida estava dividida. Uma metade torcia para o Carlito e a outra para mim. Mas a minha metade tinha mais gente, era muito maior, porque a Cida, o meu primeiro amor, me disse baixinho no ouvido que eu iria ganhar. Que eu era o seu poeta predileto. Me deu um beijo e depois sorriu bonito outra vez. 

Peguei um pedaço grande de papelão, fiz um desenho com carvão que parecia o Carlito, coloquei pendurado numa árvore bem próxima de mim e atirei. Acertei a mosca no primeiro disparo, e os outros, também. Fiquei tão confiante que voltei para dentro de casa. 

Segurei a caneta com força, espremendo a coitada, olhei o papel em branco e pensei na Cida que me amava e no amor que eu sentia por ela. E pensei que o Carlito queria namorar a Cida, e que ela me escolheu. Aquilo era amor dos bons mesmo! Me lembrei que eu já havia ganho o primeiro duelo contra ele, quando fiquei com a garota mais linda do colégio. 

Em seguida me veio na memória que há poucos minutos atrás eu havia liquidado com o Carlito, naquele outro duelo. Eu era de carne e osso, ele de papelão, mas isso não importava. O certo é que acertei na mosca várias vezes e deixei ele caído no chão, todo amassado, com as orelhas de abano que tinha, cheias de furos, saídos de minha espingardinha de pressão. 

Eu não podia decepcionar a metade da escola que torcia por mim, muito menos a Cida que era o meu amor. Já enxergava o auditório no terceiro andar lotado gritando o meu nome, e a Cida subindo orgulhosa lá no palco, me abraçando e me dando um beijo na boca. O beijo mais gostoso do mundo, que cheguei a sentir o gosto só de pensar. 

O problema é que eu continuava sem uma linha escrita. Ideia nenhuma me ocorria. Eu puxava pela cachola, segurava forte a caneta e a folha de papel continuava em branco. Mas, se eu já havia vencido as partes mais difíceis que foram os duelos com o Carlito, o conto seria o de menos. Me iludi. 

No dia anterior do concurso das duas histórias finalistas, pensei em desistir. Avisaria que me deu um branco, um bloqueio sem fim, e que não consegui pensar em nada que prestasse. 

Naquela angústia, me lembrei na decepção que a Cida iria sentir caso desistisse. Eu que fazia versos e dava todos para ela, que os guardava numa caixinha cor-de-rosa, com o meu nome escrito ao lado do dela, na parte de cima da tampa. 

Veio a noite, não dormi e chegou a madrugada, e nada. Estava quase amanhecendo, se aproximando a hora de ir para o colégio e enfrentar aquele maldito concurso. 

Foi então que recebi uma luz e escrevi esta história que vocês estão lendo agora; só para não chegar com as mãos abanando. 

No portão, a Cida me esperava. Veio e me abraçou, me beijou e me perguntou: “- trouxe o conto?” - Disse que sim, meio desacorçoado. 

Auditório cheio. O diretor mandou, e o Carlito leu o dele. Um continho mixuruca. Pedi para a Cida ler a minha história. Ela que lia tão bem tudo que lia, e eu que lia tão mal tudo que escrevia. E ela leu tão bem, que cheguei até a pensar que aquela narrativa, não era a que eu havia escrito. 

Ganhei com o texto aí de cima, que dias desses encontrei ao acaso revirando antigos guardados, só retirando e alterando, para esta crônica, este e os cinco últimos parágrafos que estão aí em baixo. Mas, achei que naquele dia, havia ganho o concurso, pela beleza, pela simpatia, pelo jeito de ler, e pela voz da Cida. Mas o fato é que ganhei. 

Subi no palco, abracei a Cida e dei um beijo nela. Todo mundo aplaudiu. Até hoje não sei, se pela história, se por ela, ou pelo nosso amor. Ou pelo conjunto ali apresentado. 

Naquele tempo eu tinha só 15 anos, e a Cida, 13. E que delícia era a vida, meu Deus do céu! 

Logo depois o tempo andou para frente e veio uma ventania azeda que mudou tudo de lugar. 

De ti, meu primeiro amor, nada mais sei. E eu? Eu continuo espremendo a caneta para esvaziar o que me vem na cabeça. 

E, a cada outono que chega, ainda me abaixo para apanhar uma folha de plátano, que amarela e acobreada, dança faceira uma valsa no chão, para ti usar como marcador de páginas, no livro de poesias, que de certeza, sei que estás lendo.

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