quarta-feira, 8 de maio de 2013

A VIÚVA

Começou com um formigamento na junta do dedo polegar da mão direita, que rápido evoluiu para o amortecimento total do membro. Quando acordou no outro dia estava com a mão inteira dormenta, que desfaleceu antes do anoitecer. Dormiu mais uma noite, e o Argemiro amanheceu com todo o braço direito desmaiado. 

A Glória, sua mulher há vinte anos, chamou o médico da sua confiança, o Doutor Montes Garcia, que receitou uns comprimidos e umas compressas com salmoura. E disse que o sintoma iria passar. Que o Argemiro não se preocupasse. 

Foi o médico dar as costas e o Argemiro gritou para a Glória, que agora o dedão do pé direito também adormecera. Após mais duas horas, a perna, do joelho para baixo estava como morta, para, logo, logo, toda ela também enfraquecer. 

Chamaram novamente o Dr. Montes, que trocou a medicação, por outra marca de comprimidos, e as compressas de salmoura, por outras com água quente. 

Assim que o médico despediu-se, o mal começou a atacar o lado esquerdo do Argemiro, na mesma sequência e intensidade que havia atingido o lado direito. Só que com mais rapidez. Polegar, mão, braço, dedão, pé, perna. Foi um violento ataque, repentino e simultâneo. 

Dessa maneira, assim do nada, estava o Argemiro com os membros superiores e inferiores totalmente anestesiado, para não dizer, falecidos. A Glória chamou o Dr. Garcia outra vez, que descartou a possibilidade de um derrame cerebral, aneurisma ou até de um indesejado tumor. Trocou os comprimidos por outros mais fortes, e que agora, as compressas deveriam ser com água gelada, revestidas com ataduras bem presas nos membros afetados. 

Quando o Dr. Montes Garcia já havia saído, o pescoço ao Argemiro entorpeceu. E a língua já dava sinais que estava pronta para perder a força. 

Desta vez, porém, o médico fez uma série de rigorosos exames, o que havia de mais moderno no campo científico, no corpo do Argemiro. Tirou a sua temperatura, mediu a pressão, bateu com os dedos no peito e nas costas, deu uma pancadas com um martelinho de ferro nos joelhos e mandou o Argemiro repetir com ele, as palavras, trinta e três, que, claro, não saíram. Só rosnava, o Argemiro, e babava queixo abaixo. Então, o Dr. fez uma expressão de sabido, demonstrando a orgulhosa satisfação de ter, enfim, descoberto o problema. Com segurança, trocou aqueles comprimidos fortes de antes por outros, que ele retirou da maleta, dizendo que vieram importados do Japão, e que eram os ideais para um caso como aquele. E que as compressas, agora, deveriam ser feitas com álcool morno. 

Feito tais procedimentos científicos, o Dr. Motes Garcia retirou-se, e o Argemiro, soltou um sonoro gemido, um urro, na verdade, e assim ficou, vendo tudo, até pensando, mas com o olhar endurecido. 

A Glória saiu para a rua, alcançou o Dr. Montes ainda na calçada, ali por perto. Veio uma nova série daqueles exames de ponta, revolucionários: temperatura, pressão, batidas no peito e nas costas, martelinho de ferro nos joelhos. Desta vez nem pediu para ouvir as palavras, trinta e três, tão fundamentais para a ciência médica. Todavia, receitou desta vez, que o Argemiro ingerisse, de uma só vez, um coquetel com todos aqueles medicamentos prescritos anteriormente, ou seja, só para lembrar os leitores: os comprimidos da primeira, os da segunda, e mais fortes da terceira consulta, somados aos da última, aqueles vindos do Japão, que foram engolidos com muito sacrifício. Drasticamente empurrados goela abaixo. 

E que todas aquelas compressas deveriam ser sobrepostas por tantas ataduras quantas fossem necessárias, e teriam que ser regadas com salmoura, água quente, água gelada e de álcool morno, tudo em uma única vez, numa espécie de tratamento de choque sobre o organismo no Argemiro. E que as ataduras precisavam ficar bem apertadas em volta do seu corpo, na forma de rigorosos torniquetes. 

O Argemiro, após ser submetido a todos esses rigorosos procedimentos científicos, ficou parecendo tal uma das próprias e legítimas múmias retirada de um sarcófago de uma das três pirâmides do Egito; só com os olhos duros e os cabelos de fora. 

Após cumprir com rigor todo o conhecimento adquirido nos estudos e na prática na ciência de Hipócrates, o nosso eminente doutor aproveitou para cobrar da Glória uma xícara daquele café puro e fumegante que só ela sabia preparar. Permaneceram na cozinha aos cochichos e distrações outras, além do tempo necessário e que o momento precisava. 

Pois o que estava para acontecer, aconteceu! O Argemiro sofreu um espasmo, uma convulsão, arrepiou os cabelos, fechou os olhos e respirou pela última vez. 

Quando voltaram da cozinha, abotoando os botões das suas roupas, o Dr. Montes e a Glória, ao entrar no quarto, quase riram, do corpo do Argemiro ridiculamente enfaixado com aquelas ataduras. E segurando uma discreta faceirice, ela quis saber do seu amante, qual teria sido, realmente a causa da morte do Argemiro. 

Lançando em direção aos olhos dela, uma piscada de olho maliciosa, respondeu: “ - Glória, minha querida, a medicina não tem respostas para todas as doenças humanas!” 

A Glória, afastou-se do doutor, foi até uma imagem da sua devoção e agradeceu o atendimento dos seus suplicantes pedidos. Acendeu um toco de vela, fechou os olhos e pensou: a viuvez repentina e prematura, é um dos maiores benefícios do casamento! 

Depois virou-se de frente e aproximou-se do médico; sorriram um sorriso de cumplicidade, trocaram dois ou três beijinhos pequenos e foram tratar do enterro, com a necessária pressa que a situação exigia.

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