quarta-feira, 8 de maio de 2013

A MILAGROSA FUMACINHA AZUL

Primeiro o Ariosto sentiu um arrepio. Depois uma coceira ardida no nariz que se espalhou por todo o corpo, como se fosse uma urticária generalizada, seguida por uma série de espirros. E uma tosse meio melódica, até bonita de escutar. E cada vez que tossia saia uma fumacinha azul pela boca. E começou a dizer palavras e frases que ninguém entendia; mais a barriga que estufou. 

A seguir, os livros da estande se mexiam sozinhos, a xícara do café andava em círculos sobre a mesa, e a caneta escrevia por conta própria. Até a samambaia despencou do teto e saiu voando janela afora. 

Dias depois começou a conversar com o Tupi, o cachorro da família. E um entendia perfeitamente o que o outro queia dizer. O gato preto Nicolau olhava para o Ariosto todo desconfiado, rilhando os dentes e botando as unhas para fora, cada vez que via sair aquela fumaça azul da boca do seu dono. Era o Ariosto se mexer no sofá e o gato se levantava, ouriçando os pêlos do lombo e esticando os fios do bigode, em posição de defesa ou de ataque, dúvida esta que ninguém nunca soube explicar. 

Os exames deram negativo e os médicos disseram que não era nada, que logo passaria; que assim como apareceu, logo iria embora. Que seria algo assim como um resfriado; uma gripe no máximo. E que não se preocupasse com a tal da fumaça azul; que aquilo deveria ser um problema de gases, uma fermentação estomacal passageira, que se atrapalhou com o itinerário, e errou o local de saída. 

Voltou para casa, e a noitinha, uma senhora idosa, vizinha do apartamento ao lado sentada na sua cadeira de rodas, apertou a campainha. Assim que o Ariosto apertou a sua mão, tossiu e liberou pela boca a fumacinha azul, a velha ficou boa. Pulou da cadeira de rodas, parou em pé, e saiu pelo corredor gritando, milagre, milagre! Aconteceu um milagre! 

Pronto. Naquele momento começou a se espalhar uma fama que não parou mais de crescer. Apareceu gente doente de todo o bairro, da cidade, e com o tempo, de outras cidades e dos países próximos, atrás de um milagre. Vinham só, em grupos, e em numerosas caravanas. 

Logo, logo, o Ariosto teve que sair do apartamento e ir para uma chácara para poder atender tanta gente, até porque, o transtorno no prédio virou caso de polícia, sem contar que os corredores do edifício e as calçadas em frente se transformaram em um verdadeiro depósito de muletas, cadeiras de rodas, andadores e outros apetrechos, além ataduras, tipóias e curativos sujos de sangue. Uma bagunça. 

Com a fama adquirida, a mulher, os filhos, os genros e as noras, os irmãos, os sobrinhos e outros achegados, enfim, a família toda trabalhava organizando filas, fazendo segurança, vendendo garrafadas milagrosas após as consultas. Ajudavam nos restaurantes e lanchonetes e fazendo propaganda, distribuindo panfletos e santinhos com a foto do Ariosto expelindo a famosa fumacinha azul pela boca. 

Bastava o Ariosto apertar a mão do paciente e tossir a fumaça azul e a cura estava feita. Assim, simples. E não se cansava o Ariosto. Dotado de uma energia sobrenatural atendia à todos 24 horas por dia. Não precisava dormir. Em nada lembrava aquele sedentário funcionário público aposentado, sem ânimo, preguiçoso, que antes vivia roncando no sofá e assistindo novelas na televisão. 

Com tanto movimento, a família foi ficando muito bem de vida, já ultrapassando os limites da riqueza para entrar no terreno pitoresco dos milionários. Jornalistas de rádios, jornais e televisões dos mais distantes recantos vinham cobrir aquele mistério. Entrevistavam, fotogravam e filmavam toda aquela ação, dando preferência, é claro, para o momento da tosse, que traria em seguida a tradicional e tão esperada fumacinha azul. Afinal, todos sabiam que o poder da cura vinha não do aperto de mão, nem da tosse, mas da bendita fumaça azulada. 

Os negócios iam de vento em popa, até que um dia (sempre tem um dia), que o Ariosto pegou uma gripe malvada, daquelas de difícil solução. Caiu de cama e tossiu, tossiu tanto que chegou a um ponto que só saia o barulho da tosse, e a fumacinha que era boa, sumiu, desapareceu. Só tossia uma tosse escandalosa, encatarrada, molhada, mas a fumacinha, nunca mais. 

Depois que sarou e sem a fumacinha azul, acabaram os milagres, a clientela sumiu, a chácara ficou deserta, e a família se entristeceu, e a barriga do Ariosto encolheu. 

Por todos os meios, queriam porque queriam obter uma resposta para aquele súbito abandono, até que apareceu um ser com aparência de ter vindo do outro mundo, que bateu na porta e perguntou para o Ariosto: “ - Alguém viu por aí o meu fantasma azul de estimação?” 

O Ariosto deixou o queixo cair amolecido, com a língua para fora, meio abobado. Aí foi que se deu conta, que há três meses atrás havia engolido um fantasma curandeiro. E percebeu que aos poucos, a cada vez que tossia, botava para fora um pedacinho do fantasma. Aquela fumacinha azul que saia, na verdade eram as partes etéreas do corpo daquela alminha benfeitora.. 

Antes de fechar a porta, o Ariosto perguntou para o sujeito estranho: “- se encontrar ele por aí, você me vende o fantasminha? É que me fazia um bem danado, aquela milagrosa fumacinha azul!”

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