terça-feira, 9 de outubro de 2012

UMA NOITE EM PARIS

Tarde da noite, saí do hotel onde estava e fui atrás de diversão, de bebida e de mulheres. Entrei num cabaré, um sobradinho cor-de-rosa bem enfeitado com quinze mulheres fazendo força para serem alegres, quatro ou cinco brutamontes com cara feia e uns babacas com muito dinheiro para gastar. 

E uma puta, logo que entrei, faleceu no meio do salão. Tinha uma rosa vermelha enorme de papel crepom presa logo acima da orelha esquerda que se desmanchava, e escorria pescoço abaixo, manchando com aquela tinta cor de sangue os taquinhos de madeira. Que coisa estranha isso aqui – pensei. 

Mas era tudo festa. Todos se divertindo naquele cabaré francês, onde uma gaita chorona, choramingava uma música boa para dançar bem agarrado, de se apertar noutro corpo e de beijar uma boca bonita. 

Foi quando apareceu um bailarino espanhol, dizendo que já havia sido campeão em todas ‘las monumentales plazas de toros españolas’, acompanhado de sua amante, que batia feito uma louca, espremendo as castanholas que quase se partiram no meio. E todo mundo aplaudiu. 

Então, subiram no pequeno palco uma francesa, e mais outras bailarinas faceiras e bem pintadas com vestidos coloridos e esvoaçantes dançando o can can da Belle Époque, ao som da gaita, cornetas e trompetes e atiraram as pernas para cima de mim, bem na minha frente, onde eu estava sentado. Cheguei a sentir o delicioso bafo de suas intimidades entrando pelas minhas narinas. Dei um grito de tão feliz e me agarrei na bunda de uma delas, uma loira que dançava sem calcinha e beijei tudo o que eu podia. 

Logo, retornou o bailarino espanhol, agora vestido de toureiro, com chapéu, capa e espada e desafiou um toureiro de verdade, para uma luta que teria como prêmio, a amante de quem ganhasse o duelo. Porém, o toureiro de verdade estava tão bêbado que não topou o desafio. Pois, aproveitou-se da ocasião o bailarino espanhol e levou para um quarto, a amante do toureiro de verdade, que já dormia, babando por cima de um sofá num canto escuro do salão. 

Em seguida chegou um casal de noivos arrumados para o casamento junto com os padrinhos e uns convidados. Achei que entraram na casa errada. Ela de véu, grinalda, toda de branco e ele bem arrumado, com uma casaca preta que brilhava, prontos para casar, e os padrinhos e os casais de convidados do mesmo jeito, bem ajeitados. Então dançaram todos, beberam como uns loucos e se misturaram com as putas, os cafajestes e os clientes e desistiram de casar. Descobriram aquilo que desconheciam, e gostaram. A noiva desmaiou de tanto trepar com um garçom em cima da mesa da cozinha. 

Aí, foi então, que chegou um guarda e mandou todo mundo embora, ou ficassem quietos e fossem dormir naquelas camas com colchões fedorentos, cheio de pulgas e chatos, percevejos e esperma envelhecido, dos quartinhos lá de cima. 

Quando já estavam obedecendo o guarda, chegou um padre maluco com uma batina suja, muito apertada no corpo e umas asas de anjo grudada nas costas e arpergiu uma água perfumada que dizia ser benta e perdoou todo mundo. Que bosta. Pararam de trepar as putas, os imprestáveis, os noivos, os padrinhos, os convidados, os clientes e os trouxas que ali estavam; surraram o pobre do padre. Até o guarda apanhou. 

Caídos no chão, bêbados, loucos, machucados, doloridos, arrebentados, sem roupas, pediram mais bebida para um outro garçom que mal caminhava de tanta droga cheirada e muita bebida forte. Deitados, sujos, vomitando, deslizando naquela nojeira pegajosa se abraçavam comemorando a boa vida. As putas borradas de batom vermelho, cansadas, de pernas abertas, se esparramavam onde dava. Os bêbados, os drogados, os políticos, os ladrões, os desqualificados em geral, mais os clientes, soltavam boca afora uma gosma amarelada, malcheirosa de álcool, droga e cigarro. E deixaram a noite andar. Afinal, os bêbados, os drogados e os ladrões; ninguém se acha pecador. 

Como sempre se vê, todo bêbado é um animal territorialista. Escolhe um boteco de quinta categoria, um bar qualquer ou um cabaré e ali se estabelece. Faz desses lugares a sua casa, e pensa que está vivendo. Nem sabe, o desgraçado, que está produzindo carniça para o demônio com os seus anjos de asas pretas. Perderam ontem, perdem hoje e vão perder sempre, essas almas agonizantes, de tantos amores não realizados. Que só se masturbam de tão infelizes, de tão crianças, que no fundo soluçam, choram por um colo quentinho que lhes fizessem dormir, enfim, em paz. 

Levantei os olhos daquele chão triste de morte que a alegria deixou quando foi embora e olhei para um outro canto do cabaré, numa penumbra, e lá avistei uns dançando e alguns sentados, comendo batata frita com cerveja e mijando no chão, e outros vindos da turma dos caídos, ajeitando a frente das roupas; e vi toda uma gente; um grupo de velhos e velhas com as peles brancas, mortas, que nem tinham mais forças pra levantar os braços diante da música francesa. Nem gritavam mais uiuiuuuu, comemorando. Mas não se entregavam. Até gostei daquilo. 

E uma gorda careca pulava de pés descalços balançando aquela barriga de porca com as tetas balofas desnudas, que desciam e subiam suadas como uns balões enlouquecidos. E no seu lado tinha uma jovem com cara de cavalo, mas com umas pernas fenomenais, junto com a sua mãe, braba, deslocada do lugar, de queixo caído. Pensei em ir lá falar com ela, mas a mãe dela estragou tudo; disse para a filha não me olhar mais. Nesse instante, uma francesa daquelas velhas lá do canto, toda enrugada, com o rosto tapado de base que derretia, e com o cabelo azul, me abraçou e me achou bonito e quis me beijar na boca. 

Quer saber? Puta que pariu, vou voltar pra o hotel. Não quero mais saber desta merda de noite francesa, neste cabaré de gente maluca. Amanhã vou procurar coisa melhor. 

Passei numa espécie de lanchonete, que nem era uma bem uma lanchonete, com o dia já amanhecendo e comprei três croissants e doze cervejas em lata. Entrei no hotel, subi pelas escadas até o primeiro andar, sentei numa poltrona do quarto e abri duas latas de uma só vez, e escrevi o que vocês acabaram de ler. 

Os croissants, bem, abri a janela e atirei os três na rua pra um cachorro que latia baixinho de tanta fome. Depois fiquei olhando triste para um cópia barata de Lautrec, que reproduzia cenas do cabaré Moulin Rouge; de uma época bonita que passou e nunca mais voltou. Como deveria ser feliz quem viveu naqueles tempos... Daí, fui enfraquecendo lentamente e dormi recostado na poltrona, com um sol forte que batia no meu corpo, bem agarrado na última lata de cerveja.

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