terça-feira, 30 de outubro de 2012

ÚLTIMO TANGO

Lá para as bandas da fronteira, muito adiante de Caçapava, nos arredores de Bagé, no bordel da Polaca; era onde a rapaziada se iniciava nos prazeres e nos desejos da carne, e os mais velhos davam prosseguimento nas soluções de suas inquietações sexuais. 

Loira pintozona, a Polaca, mulher em torno dos quarenta anos, esguia, com finos cabelos amarelos que se amarravam em um coque em cima da cabeça, o que aumentava o seu belo vulto; pele branca, meio rosada, com lábios graúdos e atrativos, e um par de seios quase de fora, mal e mal seguros pelo sutiã, um pouco mais alto que a borda do decote das blusas que invariavelmente usava, de maneira que umas delicadas e graciosas filigranas de rendas decoravam o contorno daquele colo exuberante. 

A cada mês, ela trocava no mínimo, meia dúzia de suas meninas. Sempre tinha carne nova na casa, o que atraia, e deixava em alvoroço todo o macharedo das redondezas. Em certas ocasiões, se notava, da mesma família, três gerações de homens: avô, pai e filhos, se fartando naquelas moças que jamais ultrapassavam os 30 anos de idade. 

E, lá em cima do palco, puxando um bandonion, tocando um tango preguiçoso, o Carlito, um castelhano melenudo, muito bom de música, mas brabo como uma cascavel, muito corajoso, sempre com uma adaga atravessada na guaiaca. Tocava, bebia uns goles de samba, e cuidava atento, com os olhos bem compridos, todos os passos da Polaca pelo salão, que de uns tempos para cá vivia protegida sob os seus braços, abrigada, na sua fama de valentão. 

Todos se divertiam no cabaré da Polaca, e quando alguém mais insolente queria partir para a briga, aparecia o Juvenal, um mestiço de quase dois metros de altura, forte e mal encarado, para colocar as coisas nos seus lugares; devolver os comportamentos para dentro dos conceitos de ética, das leis próprias que reinam nesses lugares. 

Vinha gente de longe para conhecer as meninas em flor, que só na Polaca se via, bem ao contrário das outras zonas da região, que mais pareciam uns asilos, de tanta puta velha que abrigavam. 

O segredo da Polaca era a novidade, a pouca idade das macias e cheirosas peles das suas mercadorias. Além de estarem sempre bem arrumadas, dentro de saias minúsculas, usando perfumes provocantes; simpáticas e carinhosas, boas dançarinas, ótimas parceiras de copo e, principalmente, safadas sem limites, quando se atiravam em cima das quatro linhas forradas por macios lençóis de seda. 

Numa noite de sexta-feira, já querendo ser madrugada, sem lua e nem estrelas, um breu de tão escura, chega um grupo de três rapazes, bem levantados; desconhecidos na casa. Dois deles frangotes ainda, por certo trazidos pelo outro, com ar de mais cancheiro. Entram e sentam num sofá de canto, e vem duas moças pra junto deles, e começam a beber. 

Um dos três, o mais velho, um sujeito com cara de encrenqueiro, ombros largos, testa saliente, cabelos claros e muito decidido, olhou a Polaca passar rufando os guizos de sua minissaia, e atraído por aquela formosa mulher levantou-se, e deu uns passos em sua direção. Bateu no seu ombro, e com energia a puxou para junto do seu peito, enfiando a cara no rosto da mulher, procurando a sua boca. 

Só se escutou um urro gutural, que parecia saído de uma fera gravemente ferida: - “com esta aí, no! Tira las manos desta mujer, otário!” – gritou o Carlito já em pé, com o bandonion atravessado na barriga. 

Pois não se assustou o atrevido com o berro desesperado do Carlito, e apertou mais forte ainda a Polaca junto ao seu corpo, e gritou bem forte, bem alto: - “Toca castelhano, toca uma marca só pra eu dançar com esta vagabunda. Fecho a casa e banco as despesas de todos, mas toca, filho da puta, uma música de corno pra eu bailar bem agarrado no corpo desta puta. Toca logo, desgraçado!” 

Só se escutou o barulho do bandonion ser atirado ao chão, e só se via os olhos esbugalhados, os corpos de todos parados, imóveis, suados, fixos na cena que diante deles se desenvolvia. 

Então, o Carlito deu dois passos para a frente, com os olhos em brasa, puxou aquela adaga de sessenta centímetros de lâmina, com o esse tinindo de bem polido, e enfiou até o cabo nas costas do sujeito, e viu caírem os dois na sua frente. Estava tão cego de raiva o Carlito, que colocou força demais na sua adaga. 

Voltou para o palco, ainda atônito, sem o juízo certo para avaliar o estrago, ajeitou o bandonion em cima das pernas, tomou uns golaços de samba, e tocou um daqueles tangos bem trágicos, e ao invés de cantar, deixou sair boca afora:” – Dança, dança agora esta, seu hijo de una puta, e paga toda la despesa de la casa!”

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