sábado, 12 de abril de 2014

O SALVADOR

Após o clarão quente que veio dos lados do inferno, a terra secou, o ar empestou, a água azedou, as doenças contaminaram todos os cantos da cidade e muita gente morreu. Os aleijados, os cegos, os leprosos gritavam por socorro estirados nas calçadas sujas de cinza. Aqueles que ainda possuíam forças vagavam famintos e sedentos sem saber para onde ir. O rio virou um lodaçal. Uma fumaça escura e fedorenta invadiu o firmamento.

As mães abraçadas em suas crias corriam desesperadas a procura de um abrigo. As crianças choravam sufocadas. A fuligem redemoinhava com o vento. O dia acabou. Veio uma noite para ficar. A multidão se transformou em fera atrás de comida que logo acabou. Os depósitos de mantimentos, os armazéns, os açougues e as fruteiras foram saqueadas. A fome e a sede se intensificaram. Os cadáveres jaziam embaixo das marquises.

Vieram os milagreiros. No salão paroquial se reuniram, sacerdotes, feiticeiros, bruxos, pais de santo, pastores, magos, benzedores, xamãs, pajés e curandeiros; eles, os oficiantes do sobrenatural, que juntaram suas forças e invocaram seus poderes. Nada conseguiram. Não foram ouvidas suas preces e promessas. Pela ineficácia, seus rituais milenares pareceram brincadeiras infantis. Porém, no lado de fora da porta, sozinha, com as mãos estendidas para o alto, uma senhora que tinha um brilho poderoso no olhar, clamou: “- vem Jesus! Vem Jesus! Vem Jesus!”

A escuridão desnorteou a população, que atônita apenas pensava em fugir. Andavam em círculos, perdidos. Tudo era uma sujeira só: as ruas, as roupas, as peles, as almas, o ar. Depois, já estavam conformados. De repente uma prostração tomou conta de todos, que sentaram e deitaram no chão esperando pelo fim. Não havia mais desespero nem sequer esperança no rosto de cada um. Simplesmente deixaram de ser as pessoas que eram. É quando se morre antes de morrer.

Mas a força das duas palavras três vezes repetidas, daquele pedido, ecoou irrecusável na imensidão das alturas. Então surgiu uma luz no céu, vinda de uma estrela que iluminou o caminho de um homem que chegou, puxando um burrico montado por uma mulher. Este homem trazia nos olhos a energia dominante, o vigor inesgotável de um Deus. Ele parou no meio do povo, fez um gesto com os braços que provocou indomável ventania que varreu para longe aquela poeira venenosa. Uma chuva torrencial, tal uma pancada passageira lavou a imundície que havia tomado conta do lugar.

Os doentes, os apáticos e os que haviam desistido se reergueram. As crianças pararam de chorar. As mães soluçavam emocionadas. Ele, com outro gesto de mãos fez curas e milagres e purificou as águas do rio que forneceu os peixes que saciou a fome e a sede daquele povo. De um pedaço de pão queimado que parecia um carvão, fez milhares de outros prontos para servirem de alimento. Os mortos acordaram da morte e agradecidos retomaram suas vidas, e junto com os demais beberam vinho do muito bom, que jorrava pelas torneiras.

Todos se curvaram diante daquele desconhecido. Tudo voltou ao ritmo anterior. Um habitante gritou, perguntando o seu nome. Ele que já estava se retirando com a mulher sobre o burrico, não respondeu. Apenas disse, voltando-se para ela: “ - vamos, Maria Madalena!”

A senhora, aquela que tinha um brilho poderoso no olhar, olhou em direção aos dois que se afastavam, abriu levemente os lábios, o suficiente para dizer baixinho: “ - obrigado, meu filho!”

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